12.16.2010

Coisas sobre Cafés no Porto III

photo at Gala´s Night (ver post - porreiro e sentido)


O Café Ceuta, situa-se, tal como os anteriores, nas ruas quentes da nova noite portuense. É hoje, porém, uma leve sombra do brilho da sua abertura em Julho de 1953. Frequentado pelos "habitués" das livrarias das redondezas, é ainda ponto de encontro de gentes activas de ontem, com tempo para reviver, agora.

O edifício é caracterizador do tempo da fundação, com friso de pintura a fresco da autoria de Coelho Figueiredo e lambris forrados a mármore onde encaixam os espelhos cristalinos, já embaciados pelos inúmeros arranjos de cabelos de donzelas casamenteiras e alinhamentos de gravatas de senhores de outrora.

12.14.2010

Coisas sobre Cafés no Porto II

O Café Aviz é um sítio singular.

Fundado por volta da década de 50, apresenta o ambiente típico do Porto. Local de paragem de estudantes, como comprovam as placas dos muitos finalistas universitários que por ali passaram, e outros portuenses passantes, continua a ser reconhecido como local especial para provar a típica Francesinha.

A caminho dos 60 anos é caracterizador dos espaços novos que na altura recriaram o ambiente de café em meados do século XX, agora com novas atracções. O salão de jogos onde os obstinados batoteiros vinham acalmar (ou animar) os ânimos após a labuta diária, destaca-se pelas suas mesas à antiga e o seu baú de memórias, envidraçado, a reclamar a sua história de vidas partilhadas, namoros rompidos, gargalhadas compartidas.

É um lugar onde ainda se respiram as memórias surdas do maralhal que por lá passou e ainda passa a reunir hostes antes da noite que se avizinha.

Surpreendente foto reportagem sobre o Café Aviz em A Cidade Surpreendente

11.29.2010

Coisas sobre Cafés no Porto I


O Café Progresso, aberto em 1899 foi “fundado por meia dúzia de consumidores que, cansados de explorações, resolveram prescindir de quem lhes fornecia géneros avariados para eles os fornecerem, óptimos para si e para os outros” (diz-nos um autor coevo).


Era à altura o “Botequim Progresso” que reuniu nas suas mesas, colocadas em banda, personalidades distintas e individualidades anónimas que debatiam, em torno do mítico café de saco (que ainda produz), temas quentes do dia e outros mexericos de levantar voz.


Dizia Manuel Porto em 1958 que o “café ficou conhecido por nele reunir quotidianamente a fina flor do professorado portuense”. De facto, poderá tal ter ocorrido já que, não raras vezes, era determinado café ponto de encontro de gentes com afinidades profissionais que lá debatiam questões à sua actividade relacionadas, em torno dos inúmeros jornais corporativos que pululavam no Porto.


Em 1963 passa a ser classificado como “café” dando algum lustre aos uniformes brancos dos serventes, que se multiplicavam nas solicitações ao negro néctar e às afamadas torradas, sob a égide do aroma suave a tisnadas bagas doces.


Após uma lenta decadência, comum a vários cafés do Porto, em 2003 celebra a sua reabilitação, dando jus ao brilho de início do século, tendo celebrando, em 2009, as comemorações de respeitosos 110 anos de vida.


Mais sobre o Progresso em: http://www.cafeprogresso.net/
Design do cartaz por: TripleDesign

8.06.2010

A Árvore Generosa ou "Da forma da Arte"

Da arte descomplexada, verdadeira.

De como ser matemático [arte = forma + conteúdo]

De como a literatura não ser densa, bizarra ou alternativa.

De como os clássicos o serem, sem rodeios, nem pudores livrescos.

De como ser intemporal.

De como ler sem complexos.

De como ser cão, burro ou árvore, como nós, sem palavriados recriadores da verdadeira criação, nem discriminação da espécie (esta é intrincada, mas sentida).



A Árvore Generosa [Shel Silverstein] [Espantosa edição da Bruaá Editora]
Platero e Eu [Juan Ramón Jimenez] [Edição de bolso da Biblioteca Editores Independentes]

5.19.2010

Sono, tenham MUITO sono

9 da manhã, sono, MUITO sono!

A edição de Maio da National Geographic Portugal dedica uma meia duzia de páginas às questões dos distúrbios do sono e outras maleitas relacionadas.


Apesar de interessante, chamou-me à atenção uma caixa de texto algo do género:

"Após 24 horas sem dormir, a capacidade e rapidez de resposta a problemas, será semelhante à da ingestão, numa hora, de três copos de whisky"

Alguns dirão que isso é brincadeira de crianças, 3 a 5 copos por hora seria o normal de uma noitada de copos encharcada e se ainda por cima levar com gelo na coisa, não há que temer... mas e se o tipo trata gente e está ao serviço!?

Sobre os efeitos da falta de sono na classe médica, o artigo refere ainda os problemas relacionados, concluindo que (se bem me lembro) 20% dos respondentes da amostra (indivíduos em internato médico) admitiram que isso poderá ter tido repercussões na morte de um paciente...

Bom, que dizer dos turnos brutais que médicos e enfermeiros teimam em fazer nos hospitais portugueses? Bom para a carteira, bom quando não há que fazer e dá para uma soneca, mas e o tipo que chega partido às urgências, será que vai ter alguém apto para o remendar?

Na minha opinião, claramente, não.

24 horas de trabalho ininterrupto dará para ganhar uns trocos extra ao final do mês, mas em profissões em que recai a responsabilidade de manter a corda a bambolear sem partir, parece-me criminosa a manutenção deste sistema que, aliás, é usual por todo o mundo.

Então, qual a utilidade em manter o sistema? Parece-me que a utilidade amplamente responde aos interesses de todos:

. médicos e enfermeiros ganham trocos acrescidos e ainda podem dormitar entre emergências;

. administrações deixam de contratar mais gente para suprir falhas de pessoal deixando de gastar em segurança social e mais a catrefada de treta que paga por contratar;

. ordens e associações vêem alguns dos seus membros satisfeitos;

. o ministério deixa de gastar mais algum com financiamentos inusitados no poço da saúde e a diluir os prejuízos com a má prestação de cuidados na relação custo-benefício em saúde.
O único que perde é o tipo que poderá precisar de cuidados, mas esse, não conta nada, depois de uma queda e de umas quantas escoriações, um anestésico qualquer acalmará os berros para que o pessoal possa pôr o sono em dia e se não houver nenhuma pilula mágica, nada como 3 copos de whisky para lhe aclarar as ideias... mas sem gelo!

5.18.2010

ILGA, ELGA, MILGA e TAL: Eu Manifesto-me

Um dia depois da promolgação do casamento gay, inúmeras reacções têm feito manchete nos jornais.
Partidos congratulam-se, movimentos fazem luto, uns festejam enquanto outros desesperam, ao mesmo tempo que alguém tenta berrar em surdina:
"O Povo é Sereno, não se friccionem socialmente!"
Eu diria antes:
"O Povo é Manso, beijem-se e apalpem-se como puderem e se quiserem casem-se, mas muitas vezes! [para não explicitar ainda mais]"
É que, isto de discutir se alguém é igual ao outro, é de bocado de terra pequenino, charolo e insano, que se diz democrático e igualitário;
Isto de conversar e decidir sobre a possibilidade de alguém ter direitos é de tacanho povo que se deixa enganar pelo blá-blá-blá de um qualquer retórico;
Isto de alguém se insurgir contra qualquer coisa que não lhe diz respeito é de cochicheiro-bate-no-peito, beatedo de um raio, que anda em rebanho atrás de um qualquer pastor de quico na tola.
Por isso, força ILGA, ELGA, MILGA ou lá o que é!

4.12.2010

um quente cheiro a bolo

O bucólico monte verde pintalgado de branco sujo dominava a vista fria da manhã invernal em que o sol se havia afinal mostrado, enquanto o som cadente a chocalhos de ruminantes livres entoavam o canto do campo.
Teimavam na ladainha compassada só interrompida pelo abrupto badalar avisando da chegada do corpo de Graça.
O hálito gélido que queimava entranhas não abrandava na glacial igreja em que, em surdina, velhas megeras urdiam histórias pérfidas de uma vida de devaneios passados da defunta, entre arranques e lamentos de quando em vez aliviados por um rol de tossicares anciãos, em catadupa.
Graça andara de boca-em-boca desde que havia levantado a mão frente ao couro retesado que lhe toldara o lombo, anos a fio. Havia fugido, lambido as feridas profundas de um amor mal amanhado, e vivia agora, lorde de bairro, do seu trabalho ocasional de rodo em punho quando sobreveio a morte, sem interlúdios, no final de um qualquer dia de esfrega e piaçaba.
Ainda pairava o cheiro a bolo quente de chocolate novo quando arremeti pela cozinha logo interrompido pelo corpo hirto de tez suave pontilhado de uma solitária pinga de sangue.
O cheiro, o cheiro a bolo quente, acabado de cozinhar, havia sido testemunha e derradeiro refúgio solitário no chão frio em que exalou o último bafo seguro, sem explicações, só, quando premonizava uma vida de bolos feitos, esturricados, comidos, festejados, vividos.
O cheiro a quente bolo feito inundou a casa, escoltou o legista, acompanhou-a na longa estrada até à perdida aldeia e puxou saliva aos convivas nas exéquias, dissipando-se por fim no cortante vento que recebeu Graça no cemitério ao fundo do vale.
O silêncio sobrepôs-se ao frio universal e o quente cheiro a bolo, o fedor adocicado de bolo feito esfumou-se lentamente, acompanhando o arrastar peremptório da boa terra atirada sobre o feliz corpo de Graça.