11.16.2012

linha amarela I

Então belo marinheiro, partes?
Sou costeiro, não sou daqueles que criam raizes.
 
Continua Corto Maltese a buziná-lo.
 
Pelo caminho, vai com as palavras, chamada para a mudança: seguir sem rumo pelo mar aberto, seguir a costela portuária que o caracteriza, render-se à genética de aventura que o impele para o mar. Talvez assim seja, uma genética de mar que o envolve mais do que essa genética de homem que o martiriza.
Talvez também essa genética de mudança o impila ao mergulho no mar bravio, fora do caminho ritual de todos os dias, pela linha amarela, derivando da realidade, seguindo-se, quem sabe, sem linha.
Disse, um dia, que o sonho é o único espaço verdadeiramente livre que tem. Como se tudo o resto fosse condicionado por contextos, enfados, maneiras, gestos que o torna bipolar social, consoante o meio em que marina.
Sou um ser agrilhoado, diz, a quem o quer ouvir. No consumo, na rotina, nos vícios, nos constumes, nas obrigações e no caminho, curto, que percorre todos os dias até ao destino para logo voltar, comer, dormir, trabalhar, voltar...
Parece esperar a morte. Anda sem sentido deixando que a vida passe sem dar por ela.
Passa o rio douro e, tal como ele, corre pela linha para o fim, impassível, resignado.
É que cada um faz o que quer da vida, pensa. Mas, na realidade, a vida guia-o ao caminho que tem de percorrer, sem grande critério ou método.
No metro, na linha portanto, os olhares, sentados, aguardam o destino. Mas também aguardam a derradeira viagem olhando, sem critério (também eles) os transeuntes, tentando encontrar, nos reflexos das janelas, outro olhar, gesto, intenção, olhar, gesto, intenção... 
Pensa todos os dias que em 100 anos a linha irá vazia de todos os que lá vão. Como um metro fantasma para a eternidade, condenado a percorrer a linha, amarela, com os que vão sobrando até esvaziar-se do último homem e continuar caminho, fantasmagórico, numa linha que de amarelo terá já pouco, de esverdeado, muito.