tag:blogger.com,1999:blog-96931892024-03-23T18:32:45.995+00:00QuioskeSem rodeios, numa locomotiva em movimento iluminada por aquela lâmpada de tungsténio.kikohttp://www.blogger.com/profile/06956619733637245888noreply@blogger.comBlogger335125tag:blogger.com,1999:blog-9693189.post-74124471601908943082015-12-19T16:29:00.001+00:002015-12-19T16:30:41.916+00:00Afonso III, o bolonhês<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhUTW7GL1ARsFMgLyoqJmZtQQcBwucOPU46pdIzMxQIMcdsyBB0OcUStDZ2FZ2N1IBWk4iBuw6uOkVVXBUlW2o8WV6NfnsYA907FNLMfNxgXGKRAPQap4QdsDpTxzkIjhO88mAiww/s1600/afonsoiii.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhUTW7GL1ARsFMgLyoqJmZtQQcBwucOPU46pdIzMxQIMcdsyBB0OcUStDZ2FZ2N1IBWk4iBuw6uOkVVXBUlW2o8WV6NfnsYA907FNLMfNxgXGKRAPQap4QdsDpTxzkIjhO88mAiww/s320/afonsoiii.jpg" width="192" /></a></div>
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<a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Diogo_Freitas_do_Amaral">Freitas do Amaral</a>, autor seminal na área do direito português, tem-se dedicado à autoria de escritos de divulgação relacionados com a história da nacionalidade.<br />
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Depois do sucesso retumbante de <a href="http://www.fnac.pt/D-Afonso-Henriques-Diogo-Freitas-do-Amaral/a266750">Afonso Henriques - Biografia</a>, de 2001, com mais de 80 mil exemplares vendidos e de <a href="http://www.bulhosa.pt/livro/viriato-diogo-freitas-do-amaral/">Viriato</a> em 2003, lança agora novo livro sobre a personagem controversa de <a href="http://www.bertrandeditora.pt/livros/ficha/d-afonso-iii?id=16591239">Afonso III</a> (1212-1279), editado pela <a href="http://www.bertrandeditora.pt/">Bertrand editora</a>.<br />
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De escrita leve e corrida, relata a vida do que o autor define como "um grande homem de estado" nas décadas conturbadas do início da nacionalidade (séc. XIII), num país débil e periférico encravado entre o <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Gharb_al-Andalus">Gharb Al-Andalus</a>, a sul, e os reinos de Leão e Castela a norte e este.<br />
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Sem pretender ser um trabalho de investigação, é um excelente livro de divulgação apoiado em bibliografia específica sobre o tema. Apesar de alguns comentários algo anacrónicos, apresenta a sua visão sobre esta personagem ímpar para a criação e consolidação do Estado em Portugal e para a organização administrativa e legislativa das quais prevalecem, ainda hoje, reminiscências.<br />
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Apresenta, ainda, algumas considerações pertinentes sobre factos históricos, fruto da sua larga experiência nas áreas políticas e legais, acrescentando, por isso, valor a uma obra que poderia ter sido de mero relato a partir de fontes secundárias.<br />
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Lança, por fim, apesar de não o referir expressamente, algumas questões interessantes a aprofundar, nomeadamente, quanto aos acasos que o tornaram rei, por morte do irmão <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Sancho_II_de_Portugal">Sancho II</a>, que legitimaram a sua sucessão, por morte da primeira mulher (<a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Matilde_II,_Condessa_de_Bolonha">Matilde II, condessa de Bolonha</a>), e que permitiram iniciar o processo de apaziguamento das relações do reino com o papado, por eleição do Papa português <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Papa_Jo%C3%A3o_XXI">João XXI</a>, cujo processo viria a ser interrompido por morte deste.<br />
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Será, por isso, interessante averiguar o posicionamento e ação de Afonso III em Roma e Paris, por intermédio dos seus adidos diplomáticos, na eleição de Pedro Hispano, amigo pessoal (e confessor) de Afonso III, cuja aclamação para pontífice permitiu empreender os primeiros passos para o desbloqueio das difíceis relações da coroa com Roma, motivado pelas ações de reafetação de territórios, que haviam sido ocupados pelo clero, à coroa.<br />
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Um livro interessante baseado em bibliografia portuguesa - com forte sustentação na biografia de <a href="http://www.wook.pt/ficha/d-afonso-iii/a/id/2159629">Afonso III</a> da autoria de Leontina Ventura e na <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_de_Portugal_de_Alexandre_Herculano">História de Portugal</a> de Alexandre Hereculano - que vale a pena ler.</div>
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kikohttp://www.blogger.com/profile/06956619733637245888noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9693189.post-40508751786713052832015-04-28T00:08:00.000+00:002015-04-28T13:27:16.321+00:00Há livros que são<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiNIEPhvew2iTUL1GlF1E6kbOVfrlWOAggPJnOATvYIkOezBYxs1IlfKpkaeSnPBCCBeC435e-6H3h_3urqgsKO6xXgfF-TBliu1buPQWKv5kOAT8RWn3oZZCqARByzQCdlh-UhAw/s1600/hem.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiNIEPhvew2iTUL1GlF1E6kbOVfrlWOAggPJnOATvYIkOezBYxs1IlfKpkaeSnPBCCBeC435e-6H3h_3urqgsKO6xXgfF-TBliu1buPQWKv5kOAT8RWn3oZZCqARByzQCdlh-UhAw/s1600/hem.jpg" height="320" width="213" /></a></div>
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Há livros que são, na realidade, um folguedo. Hemingway, em obra publicada a título póstumo, comprova-o.</div>
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Havia já largos anos que não tocava na sua obra por ter terminado, precoce, a minha incursão na larga série “livros do brasil” e na monumental “coleção vampiro” que meu avô compilava, religiosamente, na prateleira da sala e que eu catalogara com o carinhoso epíteto de “a libralhada belha”. Os livros de Hem serviriam, então, de tira-gosto entre <i>Maigret</i>es<i> </i>e <i>Poirot</i>es<i>, </i>tendo-me levado por outros caminhos para lá dos policiais.</div>
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Passaram-se, pois, mais de 20 anos desde a última vez e, por isso, havia guardado a genialidade simples da sua obra no fundo do meu emperrado contador da memória. </div>
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Em “Paris é uma festa” a genialidade da narrativa séria, justa e escorreita, a descrição viva de formas e sentidos, a prosa simples e sadia, a descrição autobiográfica – quase voyeurista – fervilha em cada página, revestindo-as de uma intensidade que vale a pena desfolhar, de tão maduras que estão.</div>
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Numa narrativa corrente e lesta, relembra os anos entre guerras, descrevendo o dia-a-dia numa cidade viável que não nos é permitido conhecer. Uma cidade em que a pobreza e o sonho não esbarravam contra a dignidade, em que gente comum convive miscigenando, na carência de meios, os heróis do quotidiano, os sobreviventes de uma Europa que se erguia da ruína e que, ironia, caminharia, de novo, para o abismo.</div>
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Não só da escrita fluente e realista vive a obra. Estratégicas passagens, de uma simplicidade impressionante, imprimem-lhe a força necessária para continuar. São, na verdade, farpas sonoras de amigo afoito empestando o ar e, teimando em permanecer, lembrando que nem só de som se faz a bufa. É flatulência, de facto, mas de uma que não assiste a todos, é de uma amena e purificada delicadeza, enfim, daquela que cheira ao regaço da rainha santa isabel.</div>
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kikohttp://www.blogger.com/profile/06956619733637245888noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9693189.post-3682584734748733072014-12-29T15:07:00.000+00:002014-12-29T15:18:16.114+00:00Poema em carta no quiosque da Areosa<div style="text-align: justify;"><i>Escrevo-te longe já de teus olhos Adorinda, embargado pelo peso do sentimento, pelo fardo da partida. Susterei a respiração até voltar, ancorado à memória de teu perfume. <br />
Medeiros não serei mais. Serei uma caricatura disforme, ansioso pelo regresso. Lá longe onde o vento sopra quente, guardar-me-ei dentro de mim, libertando-me quando meus olhos pousarem, de novo, nos teus, Adorinda.<br />
Guardarei com cuidado, para não se partir o teu Medeiros, aquele a quem chamas exagerado. Exagerado por o inspirares, por trazeres o perfume de teu corpo no vento que o acaricia. <br />
Que longo caminho o de teu odor Adorinda e que benfazejo esse vento que o trazes. Vento suave esse que o embalas, leve, como teu lábios de veludo, Adorinda. <br />
Sou exagerado, Adorinda. É exagerado o Medeiros. Sim, exagerado. Sim, é.<br />
É também imperfeito, taciturno, estouvado. Pessoa, enfim.<br />
É um heterónimo de mim. Sou louco, Adorinda, é-o também Medeiros, desavergonhado, com o coração na boca. É pedra fria. É pedra fria Medeiros de cabeça perdida, é pessoa, enfim.<br />
Somos tudo e muito mais. Somos apaixonados, Pessoa, enfim.<br />
Somos apaixonados, eu e Medeiros. Apaixonados, eu. Por ti, enfim.</i><br />
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Há no velho quiosque da Areosa uma austera moldura com a carta de amor de Medeiros. Decrépita e pronta a esfumar-se no tempo, como a parede que a segura, recebe o bulício matinal de uma artéria movimentada na periferia do Porto.<br />
A posse é antiga, de tempos idos há muito, pertença anterior da tia-avó de José Silva, o velho proprietário, que há altura das partilhas havia ficado com um molhe de cartas velhas, foda-se. Do recheio de casa antiga sobram papéis carcomidos, porra. Papeluchos da tia Adorinda, que deus a tenha e guarde no eterno descanso, mas que podia ter-se lembrado do seu sobrinho querido, porra. Nem um chavo pra' amostra.<br />
A prosápia do Medeiros, como lhe chama o Silva, é a derradeira prova de amor que Manuel havia deixado, para ler mais tarde, quando da longa viagem no vapor para Lourenço Marques, onde seria representante comissionista da já decana Companhia de Vinhos Borges, na senda de alargar o negócio e de conquistar clientes no inexplorado, mas florescente, mercado africano.<br />
O Silva havia-a emoldurado há mais de dez anos, após folhear, atento, a resma de papéis escritos, catando, sôfrego, qualquer valor escondido nos resquícios de herança que lhe calhara. Compenetrado por momento largo, dada a intensidade da correspondência, levantou-se, enfim, mudo, de olhos esbugalhados e papelada segura debaixo do braço. Não mais permitiu à família tocar, sequer, na intensa correspondência dos dois amantes, verdadeira novela de cordel de gosto duvidoso e vocabulário impróprio para gente de bem e temente ao senhor. <br />
Num laivo de silêncio cúmplice, ou de vergonha, pelo amor alheio de vidas passadas, encarcerou as epístolas do demo-com-cio no armário do quarto. Fê-lo, diz, por respeito à sua tia-avó. Fê-lo, talvez, pelo pudor tonto de quem não ama e que, por isso, não sabe que a palavra escrita, quando impregnada desse fogo ardente, não tem gíria nem calão<br />
A prosa poética devia, de facto, ter-se já esfarelado depois de tantos anos de amasso, lágrimas escancaradas, cálidos afrontamentos, suspiros. Estava, assim, gasta mas legível. Firme como a palavra dita, valendo releituras diárias no mortiço quiosque da Areosa, cafofo especializado na venda de parafernália de estirpe e feitio diverso, produtos sem eira nem beira, chinesices sem sentido, tralha inominável e outras merdas sem jeito que iam desaparecendo, a conta-gotas, pela altura do natal. <br />
Relera-a Adorinda, vezes sem conta, em surdina, até adormecer. Dias sem fim à espera de mais uma carta do Medeiros. Assim o fez meses, anos, décadas, agarrada ao pedaço de papel já bolorento da humidade que carregava consigo. Fora a última prenda do Manuel, para ler mais tarde, quando o perdeu para a oportunidade de ouro em trabalhar para empresa comercial de que se havia esquecido do nome, mas que era de futuro.<br />
O toque suave do papel na tez enrugada era, junto com lágrimas suspensas, a sua companhia derradeira no catre escuro de três por três que alugava na rua das Congostas.<br />
Era um casebre arruinado por longa vida, a necessitar de telharia nova e de mãos robustas que lhe aplacassem o peso inabalável do tempo. Ladeado por dois prédios devolutos, com escores rijos de sustentação, tinha por vizinhos a bicharada urbana comum. Também a rua estava enferma, esquecida no murmúrio metálico do pára-arranca habitual. <br />
Doente e devoluta, a rua. Portas arrombadas, janelas emparedadas, monturo da vizinhança, mictório de bêbados.<br />
A octogenária sempre se negara a abandonar o seu reduto. Passava horas de guarda à janela. Rejuvenescia quando apanhava amantes ocasionais refreando ímpetos de macho dominante e fêmea libidinosa. Encolerizava-se com os agarrados de prata-a-queimar que tudo trocavam por miúdos. Sorria com a brincadeira de crianças travessas que por ali apareciam a desmando dos pais.<br />
Acalmava a velha com a brisa noturna, trazendo o aroma à brilhantina do Medeiros, tal como ele lhe descrevera. Sabia ter sido uma artimanha desse malandro que me levava sempre com conversa fiada, matraqueava Adorinda. Mas tinha a certeza que o vento que a afagava, tinha-o antes enlaçado e, por isso, sentia os seus dedos no meu corpo, as suas mãos no meu regaço, os seus braços nos meus, ciciava escarlate, lembrando sarroncas e tamboris de tempos idos.<br />
De dia, torrava Adorinda ao sol estival em seu umbral, seu trono seguro, com a certeza de que aquele era calor enviado por Manuel para lhe alentar o dia.<br />
Era uma sonhadora Adorinda. Tinha sangue vareiro, talvez por isso. Era mulher condenada a sofrer numa espera interminável, ansiando por avistar batel no horizonte. Era, por isso, lutadora Adorinda, envolta em xailes vários sobre botija de porcelana.<br />
Voltava, por vezes, levemente à realidade. Tinha laivos de lucidez que a libertavam do pesadelo. Aninhada nos braços de Medeiros, vertia, exultada, lágrimas juvenis de quem sente o calor do amor.<br />
Logo terminava esse fulgor impossível de acreditar, voltando à prisão de olhar frio, intocável, indiferente ao aconchego diário do seu Medeiros, velho solitário em casa ocupada. Um belo partido esse rapaz, ainda hei de casar com ele, delirava Adorinda.<br />
</div>kikohttp://www.blogger.com/profile/06956619733637245888noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9693189.post-68979392657209845022014-06-23T16:28:00.001+00:002015-10-26T17:36:45.357+00:00O Quiosque Santana<div align="justify">
No quiosque Santana amontoam-se cidadãos de pleno direito. São clientes vindos dos mais distantes lugarejos do distrito do Porto à procura de solução para os seus problemas legais.<br /><br />
É o povo autêntico, de pronúncia carregada, que se junta no indiferente estabelecimento contido entre portas, junto à praça dos poveiros. <br /><br />
É uma loja elegante. Sem mordomias vãs nem luxos desmedidos, ao lado do Rufino Oculista, comerciante de clientela fixa da Caixa de Previdência. <br /><br />
O quiosque abre portas pelas dez para fechar quando o último cliente sai, de folhelho em punho, com as instruções regulamentares que o livrarão do acosso da autoridade. É composto apenas por móveis vazios à espera de ser, uma e outra vez, ocupados. Ao toque do batente a porta abre com mecanismo automático, algo rudimentar pelo uso de fio de nylon preso a puxador interior com mola retardadora, para deixar o próximo cliente à vontade na descrição das suas dificuldades. No interior uma cadeira, flanqueada por pequenas secretárias, à espera dos apontamentos que se julguem necessários, ocupam o pequeno espaço quadrangular em frente ao confessionário, tribuna de penitência móvel, em cerejeira bem polida e trespassada por pequenos orifícios circulares, por onde a clientela murmura pecados, e ranhura inferior de onde são cuspidos talões dactilografados com perguntas, recomendações, pareceres, respostas diversas. <br /><br />
O processo é simples: a porta abre, o cliente entra, expõe as suas questões e recebe talões pela ranhura do parlatório. Sabe ler, vai sozinho. Não sabe, arranja quem saiba e o acompanhe. <br /><br />
No final, talão derradeiro com conta modesta, calculando o trabalho à hora, sempre na base dos centavos. Este documento não serve de fatura. <br /><br />
O confessor, Santana, é figura obscura que ninguém se lembra ter alguma vez visto. Apesar do mistério em torno da personagem nunca deixou de haver fila no seu quiosque. É que o parecer entregue ao freguês anónimo, apesar de raramente ser o que se queria, era, invariavelmente, acertado. <br /><br />
Nem todos, porém, estavam dispostos a manter o anonimato de tão enigmática figura. Isso mesmo achava o rotundo e bexigoso Barrabás, bêbado confesso, que iria transformar o mistério em mito. <br /><br />
Depois de inúmeras tentativas frustradas de entrada à força, sempre travado pela fila que aguardava vez, conseguiu Barrabás irromper pela porta, porque tenho de saber quem nos ajuda, e acometer pelo confessionário estacando de pronto, absorto na imagem cintilante e de olhos arregalados que se entrepunha no seu caminho, logo ali apaixonando-se pela altivez de personagem de cinema mudo que o acompanharia, vezes sem conta, nas noites gélidas do seu dormir errante. <br /><br />
Depressa, contudo, chamou-se à razão, acordou Barrabás do seu pasmo e rompeu em sentido contrário, tapando a cara de vergonha e fugindo, porta fora, sem conseguir olhar os embasbacados camaradas que haviam paralisado tal a rapidez com que a velha carcaça barriguda se movia. <br /><br />
Logo nasceu o boato nas línguas afiadas do gentio. O rude Barrabás, sem conseguir explicar se o que viu era verdade, assombração ou fruto da carraspana, entaramelando as palavras como sempre fizera, caiu em descrédito, deixando rolar, à tripa forra, o boato do anjo de Santana que baixava ao quiosque todos os dias para interceder junto das entidades legalmente instituídas e por decreto autorizadas a autuar, fiscalizar, confiscar e culpar, sem apelo nem agravo, a gentalha miúda que teimava em estrebuchar. <br /><br />
Santana é um anjo, caralho. Corria de boa em boca, pelas ruas do Porto. De tal forma que aos necessitados foram-se juntando os agradecidos, seus amigos, respetivos familiares, curiosos diversos, mirones em geral e outros devotos, em romaria pela rua, levando as autoridades a proibir ajuntamentos com mais de cinco pessoas à porta de tão ilustre quiosque, sob pena de identificação e voz de prisão por distúrbio da ordem pública. Liminar, é que com a bófia não se brinca. <br /><br />
Logo ali, porém, a bitaitada começou a correr lesta na boca de labagem da populaça. Filhos das putas dos cabrões de merda. Palhaços do caralho. Idem mamar, eram as palavras de ordem, rumor que subia de tom secundada por uma ou outra sacudidela de pôr o quico à banda, até ser chamado o corpo de intervenção para impor respeitinho. Bico calado ou fodo-te o focinho, ouvia-se por entre os capacetes reluzentes e cassetetes em punho. <br /><br />
O ambiente prometia trovoada, não fossem os berros de Lurdinhas, vareira devota da Santinha que logo ali decretou ser aquele solo sagrado, inconspurcável com violência, zona de culto e demais nominativos que convenceu todos. <br /><br />
Chegou-se então ao meio termo, solução de compromisso, vá. Entre vinte a trinta ajuntados, tudo bem. Mais do que isso, eram postos a circular por ocupação indevida da via pública. Até parecia um estado de direito, foda-se. Ninguém quer levar no focinho por causa da santinha. Quem começar a sarrafada salta logo para o purgatório e, por consequência, alvo de sevícias, que alguns não desgostariam não é, mas que, por via das dúvidas mais vale não arriscar, dizia a vareira que sempre tentava aplicar o novo palavreado aprendido no seu dicionário de bolso, companhia de leito de vários anos, à falta de melhor, uma décima edição do Cândido de Figueiredo que é um mimo, tem palavras que nunca mais acabam. <br /><br />
Santana, santinha para uns, anjo para outros, já calma depois do valente susto com o rompante de Barrabás, aparvalhava-se com tamanha confusão. Sem nunca aparecer (era santa, não asno) ia continuando o seu trabalho, cada vez mais ocupada com o fluxo sempre constante de pareceres que lhe chegavam. Tornava-se hercúleo o trabalho lesto que lhe pediam, enchendo-lhe a sala, agora do castigo, com oferendas várias, algumas delas vivas e de difícil transporte. <br /><br />
Santana era de facto uma santa para os seus clientes. Certamente não pelas prerrogativas da Congregação para a Causa dos Santos mas para os que a ela se agarravam, como lapas, sugando-lhe o derradeiro parecer em busca de salvação. <br /><br />
Santana, contudo, não só era santa como também mulher e toda a confusão que a rodeava atafulhava-a de trabalho e desalinho. <br /><br />
Esguia e de olhar penetrante, havia crescido ao som da ladainha da avó Leonor, vendedora de língua da sogra na costa nortenha, percorrendo, incansável, a linha de veraneio nos quentes dias de estio quando as melhores famílias acorriam às praias ventosas para se banharem nas águas terapêuticas do Norte. A ladainha contínua e o bater forte das ondas na pedra moldou o seu carácter persistente e implacável. Era, por isso, Santana, mais mulher que santa, apesar do burburinho de rezas várias e cheiro intenso a vela queimada que vinha da rua. <br /><br />
Para ela o dia de labuta corria fácil. Não fosse o diferente vociferar da clientela que não arredava pé e o aumento significativo de panaceias legais a ministrar, tudo seria normal na sua correria diária de trabalho em punho. <br /><br />
Mas quando findava o dia, quando percorria as ruas crepusculares do Porto granítico, anónima na sua condição de mulher, tudo se transfigurava. O olhar desanimado de transeunte incógnito, os ombros desalentados do vendedor de rua, as mãos trémulas de velhote, o queixo desesperado de agarradito, isso humanizava-a. Toldava-lhe o discernimento que julgava precisar para a decisão. As pessoas, de facto, suavizavam a sua inclemência profissional. Na luta, as armas têm de ser idênticas ou a batalha está perdida sem sequer ter começado, recordava as palavras de cátedra que havia ouvido noutra vida. Não que considerasse a lei desumana. Claro que não. Não o era simplesmente porque a variável humana não era, sequer, parte da equação no ditame normalizador do regime de então. <br /><br />
Era, por isso, Santana, mulher. Lutava, sem fim, entre o sentimento e a razão e, nessa luta, Santana saia sempre a ganhar. Sentia-o apesar do avolumar de pareceres e do pouco tempo que guardava para si. Como mulher, como pessoa, ganhava já com ampla vantagem nessa bem querença que raramente via em outros mas que a faziam exalar encanto. Era, de facto, encantadora Santana e tal notava-se a olhos vistos. Pela vereda rotineira fazia rodar cabeças, a ver quem passa, carregando consigo um charme de embevecer caminhante. Era mulher, Santana. E nessa condição era olhada com inveja por umas e com gulodice de cafuné, por outros. <br /><br />
Porém, nesse particular, era Santana impenetrável. Distanciava-se, propositada, evitando tanto a devoção, quanto o aflorar de feridas antigas de gata sentida. Rodeava o galanteio com um qualquer bloqueador de piropada que carregava, por precaução, na sua mala. Era insondável Santana, a mulher, insondável. <br /><br />
Os poucos que com ela privavam, pequenos negociantes de rua onde fazia compras, lojistas habituais no seu circuito rotineiro, vizinhos solícitos que com ela partilhavam escadas, todos, invariavelmente, sentiam o seu vigor contagiante, ansiando pela partilha e, por isso, aguardando em pulgas a chegada de seus longos cabelos pretos. <br /><br />
Conversa fácil, sorriso sincero e olhar reluzente cativam qualquer um. E para Santana isso era simples, era ela. Desta forma foi construindo, paulatina, pequeno grupo de devotos, pessoas que aguardavam, impacientes, a sua atenção. <br /><br />
Santana, a santa, era, então, prisioneira de seus afazeres e Santana, a mulher, era, por isso, cativa do seu fulgor. Estava, bem se vê, prisioneira de sua vida, Santana de lindo olhar. <br /><br />
Lentamente sobrevinha a noite e com ela a solidão ia ganhando, lesta, espaço à azáfama do dia-a-dia. Tentava Santana ocultá-la, fustigando-se com calculismos que apenas amainavam o seu abatimento. Criava histórias de carcereira maléfica que tudo controla: Carochinha de dois tostões não sou. Nunca prisioneira de minha vontade. Carcereiro sim, porque quero, prisão dourada em que o ópio sou eu e a minha santidade. Samarcanda de doutores, eletricistas, arquitetos e até paneleiros. Assim trauteava Santana, santa e mulher, acompanhada do negro corvo que a janela bica, noturno, tenebroso, a lembrar que lá fora aguardam, alvoraçados, os carrascos de sua vida. <br /><br />
Assim repetia, até dormir, Santana menina, contendo a lágrima ardente que havia de ser sua companhia por anos afora e que a agrilhoavam à vida, por graça de deus e martírio dos homens. </div>
kikohttp://www.blogger.com/profile/06956619733637245888noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9693189.post-13568704725331387552014-01-02T18:16:00.003+00:002015-10-26T17:37:05.115+00:00Contos de Morte<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgr0vjNgrFtu7Uk8ExdmyYt7dXZji5MvRYAxhyphenhyphen6tC5wkj5c6IXfVyZ7JTi3Rl4R4DdX-sqZvOnx7DfynVExAi00mze2Au5jEh-Q7vZGw0SdONhDJeUp20XpxN0fXfNvruTyBffdAA/s1600/PEP_ContosMorte-204x300.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgr0vjNgrFtu7Uk8ExdmyYt7dXZji5MvRYAxhyphenhyphen6tC5wkj5c6IXfVyZ7JTi3Rl4R4DdX-sqZvOnx7DfynVExAi00mze2Au5jEh-Q7vZGw0SdONhDJeUp20XpxN0fXfNvruTyBffdAA/s1600/PEP_ContosMorte-204x300.jpg" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
Está-se a tornar um caso sério a obra de Pepetela. Depois da "<a href="http://quioske.blogspot.pt/2013/11/a-sul-o-sombreiro.html">A Sul, o Sombreiro</a>" li, há dias, a brilhante seleção de contos organizada pelas <a href="http://www.edicoes-nelsondematos.com/">Edições Nelson de Matos</a>.</div>
<div style="text-align: justify;">
"<a href="http://www.edicoes-nelsondematos.com/?p=205">Contos de Morte</a>" é uma coletânea de contos invulgares dispersos em diferentes locais e épocas, onde se sentem vapores de uma escrita preocupada pelas clivagens sociais por que Angola tem passado nas últimas décadas.</div>
<div style="text-align: justify;">
Destaco o pasmo que são os contos "Estranhos Pássaros" e "O Caixão do Molhado", com cadências diferentes mas cheias de intenção e forma invejável. Na realidade, a estruturação base de uma qualquer obra de arte.</div>
<br />
<br />kikohttp://www.blogger.com/profile/06956619733637245888noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9693189.post-32295354938765132042013-12-23T17:54:00.000+00:002013-12-23T17:54:14.219+00:00A Filha do Papa<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhWzWY9q8DOIu9_zThtX8ohV4jNiqHb4UTPmM1_1eYzthX3jpuIjLH3AJjckUQ5AeAOYyzvw1gRfu-GIQf8TtPBbv_kt2wtikPR_AC-RkEchlvMz7Fe1IoBNOaNI8gmcCJSpGTLMA/s1600/a-filha-do-papa.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhWzWY9q8DOIu9_zThtX8ohV4jNiqHb4UTPmM1_1eYzthX3jpuIjLH3AJjckUQ5AeAOYyzvw1gRfu-GIQf8TtPBbv_kt2wtikPR_AC-RkEchlvMz7Fe1IoBNOaNI8gmcCJSpGTLMA/s320/a-filha-do-papa.jpg" width="207" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
O livro <a href="http://www.portoeditora.pt/produtos/ficha?id=12851600">A Filha do Papa</a> é um dos romances históricos mais coerentes e viciantes que tenho lido nos últimos tempos. Com base em factos e mitos, Luís Miguel Rocha cria um enredo policial que prende o leitor até à última página.</div>
<div style="text-align: justify;">
Luís Miguel Rocha, é, acima de tudo, um estratega da escrita, lançando fagulhas para a leitura do seu anterior livro "O Último Papa" (que ainda não li mas que não irei, de certo, perder) e deixando o leitor estasiado com a articulação das personagens, com o rigor da história que se vai revelando sem pressas, com a deliciosa relação que vamos criando com as personagens.</div>
<div style="text-align: justify;">
Na onda tão em voga de romances históricos, à qual tenho dedicado alguma atenção, está a anos luz de autores como José Rodrigues dos Santos ou Domingos Amaral. Na verdade, no constrangedor livro "A Mão do Diabo", José Rodrigues dos Santos ensaia, de forma algo interessante, sobre as motivações da crise, escrevinhando, contudo, um romance francamente débil, roçando o caricato, que me levou a, de alguma forma, rotular o género.</div>
<div style="text-align: justify;">
Erro tremendo meu, do qual me penitenciarei com chicotadas no lombo.</div>
<div style="text-align: justify;">
Depois de Amin Maalouf ou de Mário de Carvalho, Luís Miguel Rocha é uma lufada de ar fresco neste mercado tão competitivo da luta por espaço de prateleira natalícia.</div>
<div style="text-align: justify;">
Obra a toda a prova, faz jus ao rótulo de <em>best seller</em> que tem. </div>
<div style="text-align: justify;">
Apenas um reparo. A capa é beática de mais, merecia um frontispício mais memorável. Percebe-se que o editor tentou chamar à compra públicos diversos, não o censuro. Mas como leitor, parece-me <em>religiosice</em> a mais...</div>
<div style="text-align: justify;">
Na forma, um autêntico <a href="http://www.imdb.com/title/tt1219024/">Castle</a> português.</div>
kikohttp://www.blogger.com/profile/06956619733637245888noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9693189.post-62631413988972096622013-12-06T18:29:00.002+00:002013-12-06T18:38:53.528+00:00O remorso de baltazar serapião<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhKQjPuUn0LU2_5Hz22yddLRLBibC53cc22QlCpl9NMSlIzwetEvXQhni7q8Uc7rFbfJft1BwpyBEoI_bbJ-dE8gs4YybsdPK_RmdI_K1Hz16yE9oRVppGQH0yrSuRs9DlnYgL5qw/s1600/o-remorso-de-baltazar-serapiao1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhKQjPuUn0LU2_5Hz22yddLRLBibC53cc22QlCpl9NMSlIzwetEvXQhni7q8Uc7rFbfJft1BwpyBEoI_bbJ-dE8gs4YybsdPK_RmdI_K1Hz16yE9oRVppGQH0yrSuRs9DlnYgL5qw/s320/o-remorso-de-baltazar-serapiao1.jpg" width="206" /></a></div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
desumanização, título do novo livro de valter hugo mãe é a palavra que melhor define a brutalidade que reveste o livro "<a href="http://www.valterhugomae.com/livros/o-remorso-de-baltazar-serapiao/">o remorso de baltazar serapião</a>". com uma cadência metódica de horror humano, circunda em torno da história dos sargas, principalmente de baltazar, e sarga, a vaca.</div>
<div style="text-align: justify;">
é um livro sobre a usurpação da dignidade humana, consentida por todos e avalizada pelos pares, numa qualquer aldeia recôndita do portugal de outrora.</div>
<div style="text-align: justify;">
ao folheá-lo, não deixei de me lembrar das diatribes filosóficas sobre o papel demoníaco da mulher que um qualquer frade relata em "<a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/O_Nome_da_Rosa">o nome da rosa</a>". </div>
<div style="text-align: justify;">
mulher. mulher pecaminosa, embruxada, é aqui usada (não abusada, pois o conceito é desconhecido), num romance que em tudo se alinha com a verdade de um país, assim há não muito tempo.</div>
<div style="text-align: justify;">
um livro que leva ao trejeito, normalmente de escárnio ou de horror, com algum humor negro à mistura. as páginas passam velozes à cata de um remorso redentor final que, insuspeito, é revelado ao jeito de <a href="http://www.revistabula.com/671-cem-anos-de-solidao-o-livro-que-criou-uma-geracao-de-leitores/">macondo</a> moribundo.</div>
<div style="text-align: justify;">
num estilo rigoroso ao som do marca-passo, é um livro que retrata o caminho penoso da mulher, pré emancipação, requerendo concentração e necessitando, de vez em quando, de releitura.</div>
<div style="text-align: justify;">
li a edição quidnovi. bela leitura, com paginação densa mas legível. capa engraçada, mas que pouco diz sobre o livro.</div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
kikohttp://www.blogger.com/profile/06956619733637245888noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9693189.post-46957561821338637982013-11-29T10:40:00.000+00:002013-11-29T10:40:01.690+00:00A Sul. O sombreiro<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi-_HJMMAAS3-JDyRsYWe6YWFvcQh2st7bTWxzdgKdbHcwsDmpoeRLwvb_Gl677phDBkxN1ZHevPsuK4M6xOqSxdahsEwzzJ3JGEm9q7dOVWlCe4iq0ahTThyphenhypheniN92m37tmmoBU1Jg/s1600/asulosombr_1316430443.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi-_HJMMAAS3-JDyRsYWe6YWFvcQh2st7bTWxzdgKdbHcwsDmpoeRLwvb_Gl677phDBkxN1ZHevPsuK4M6xOqSxdahsEwzzJ3JGEm9q7dOVWlCe4iq0ahTThyphenhypheniN92m37tmmoBU1Jg/s320/asulosombr_1316430443.jpg" width="208" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
Li já há algum tempo um livro delicioso. O primeiro livro de autor africano que começo e termino. Excluo Camus, mais ao gosto da triologia europeia da altura: Fome/Guerra/Miséria e sem esse sabor africano e Agualusa, com imaginário autóctone muito engraçado, mas escrita mais ocidentalizada.</div>
<div style="text-align: justify;">
"<a href="http://www.leya.com/pt/gca/novidades-editoriais/a-sul-o-sombreiro-o-novo-romance-de-pepetela/">A Sul. O sombreiro</a>" é uma monografia dos primeiros anos de Angola, vista pelos olhos da populaça embrutecida que o povoava, à semelhança dos que por cá sobreviviam, entre governadores "filhos da puta" e colonizadores de seiscentos e setecentos.</div>
<div style="text-align: justify;">
O livro, de uma coerência da escrita sem mácula, usa termos africanos (sempre deixando, pela sonoridade, perceber a coisa dita) com os que por cá são conhecidos. Pontuação pouco clássica, mas de uma agilidade de discurso notável.</div>
<div style="text-align: justify;">
Miolo muito bem paginado e com revisão sem nada a apontar, apresenta uma capa arriscada que contempla referência, mapa e imagética, com coloração diversa, mas que resulta muito bem. </div>
<div style="text-align: justify;">
Depois de tentar leituras diversas africanas, de Mwangi a Mia Couto, sempre sem grande sucesso, Pepetela abre-me as portas da literatura africana, cheia de sonoridades e de sentidos bem vivos, tal como havia sentido no primeiro livro de contos africanos infantis que em criança minha mãe me lia, entre uma moralidade pouco ocidental e histórias de cabaças mágicas, crocodilos falantes, pássaros com língua própria e outros.</div>
<div style="text-align: justify;">
Pepetela acaba de lançar novo livro natalício sobre o qual ainda não passei os olhos, mas se for da qualidade deste, vai muito bem a língua portuguesa.</div>
<br />
kikohttp://www.blogger.com/profile/06956619733637245888noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9693189.post-42494970465598186632013-11-01T18:04:00.001+00:002013-11-01T18:04:55.643+00:00O Cartógrafo do Infante<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjUBslvvoi_5relIS6UZd8VYp06syPeq80QJ9ogeVmHb1F1st_oBXGgP_g3eF_9gbJpACA2jpslpwh0gcr_iHnQdire7sQbZXsIJWJfWY7-OY5Nk3A3jUD0ioVHMrx2TykaH4MKhg/s1600/big_cartografo_Infante.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjUBslvvoi_5relIS6UZd8VYp06syPeq80QJ9ogeVmHb1F1st_oBXGgP_g3eF_9gbJpACA2jpslpwh0gcr_iHnQdire7sQbZXsIJWJfWY7-OY5Nk3A3jUD0ioVHMrx2TykaH4MKhg/s1600/big_cartografo_Infante.jpg" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
Tempos longos, estes de paragem na escrita, que muito deverá ter agradado aos olhos imensos que por aqui foram passando.</div>
<div style="text-align: justify;">
Entretanto, alguns livros foram passando-me pela frente, na longa viagem amarela entre Gaia e Porto. Retomo aqui as notas de livros que foram tocando, para o bem e para o mal:</div>
<div style="text-align: justify;">
"O cartógrafo do infante", obra dos anos 60 de Frank Slaughter reeditada pela <a href="http://www.esferadoslivros.pt/livros.php?id_li=%2025">Esfera dos Livros</a>.</div>
<div style="text-align: justify;">
Romance histórico que retrata a fase inicial dos descobrimentos portugueses entre finais de trezentos e início de quatrocentos e que se baseia na vida de El-Hakim, escravo veneziano que, entre histórias várias, chega à corte do infante D. Henrique para o ajudar na arte de marear.</div>
<div style="text-align: justify;">
Livro muito interessante com retrato de época vivo e bem construído e que dá respostas a algumas dúvidas históricas quanto aos motivos para a criação do posto avançado de Sagres.</div>
<div style="text-align: justify;">
Final clássico, nada mau, mas não fantástico.</div>
<br />kikohttp://www.blogger.com/profile/06956619733637245888noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9693189.post-67834676135778978712013-08-13T18:39:00.000+00:002015-10-26T17:37:24.740+00:00Um enjoativo e magnífico livro<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhM7MTt4N7066LcDBE1tKAzIt2BXCwHXcMinSoSKjdniVfmpDNAezsbIYWS91f2E6_Avfds-X6WJGTWiJ4vL78oWdDUNMy1bO00Li16f8_N8T5C7i-qOy2X4LvgUR0wKpm7OQ5ddA/s1600/privilegiados.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhM7MTt4N7066LcDBE1tKAzIt2BXCwHXcMinSoSKjdniVfmpDNAezsbIYWS91f2E6_Avfds-X6WJGTWiJ4vL78oWdDUNMy1bO00Li16f8_N8T5C7i-qOy2X4LvgUR0wKpm7OQ5ddA/s1600/privilegiados.jpg" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhM7MTt4N7066LcDBE1tKAzIt2BXCwHXcMinSoSKjdniVfmpDNAezsbIYWS91f2E6_Avfds-X6WJGTWiJ4vL78oWdDUNMy1bO00Li16f8_N8T5C7i-qOy2X4LvgUR0wKpm7OQ5ddA/s1600/privilegiados.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"></a><br /></div>
<div style="text-align: justify;" unselectable="on">
Depois deste interregno de vários meses, não por
falta de tempo (como alguns sempre defendem) mas por falta de vontade (mais
vale a verdade do que um nariz comprido), sugiro um livro que resultou de um
trabalho magnífico de Gustavo Sampaio: Os Privilegiados, uma edição de A Esfera
dos Livros lançado em julho de 2013.</div>
<div style="text-align: justify;">
A partir de um trabalho verdadeiramente notável
de pesquisa, Gustavo Sampaio faz uma súmula de "como os políticos e
ex-políticos gerem interesses, movem influências e beneficiam de direitos
adquiridos".<o:p></o:p></div>
<div style="text-align: justify;">
Enjoativo porque, página após página, relata-nos
resultados de uma análise profunda dos meandros de potenciais
incompatibilidades entre o interesse público e privado de deputados, autarcas,
afiliados e outros coladores de cartazes. De revoltar o estômago dos mais
resistentes.<o:p></o:p></div>
<div style="text-align: justify;">
É avassalador a quantidade de dúvidas que assolam
o leitor à medida que vai folheando (ou desfolhando) "Os
Privilegiados".<o:p></o:p></div>
<div style="text-align: justify;">
"Os políticos são todos iguais!" cita o
autor, no início do livro, para logo rotular esse já ditado popular de
"falácia circular que condiciona o pensamento e bloqueia a
conversação". Não podia concordar mais. <o:p></o:p></div>
<div style="text-align: justify;">
Contudo, depois de terminar este interessante
livro, tendo a verborreá-lo, Gustavo.</div>
<div style="text-align: justify;">
É que trabalhos de consultoria por deputados em
empresas cuja área de negócio é sensível à comissão parlamentar em que esse
mesmo deputado exerce funções (não devo ter sido muito claro, mas o autor é);
aumentos excessivos de contratos públicos por ajuste direto, consoante o
governo em funções; listas intermináveis de ex-políticos membros de órgãos
sociais das principais empresas cotadas no PSI 20; subvencivos (ex-deputados)
ad aeternum (paradigmático o exercício exemplar de funções do Relvas [sim,
também aparece por cá, não raras vezes]); centenas de autarcas reformados
embora em exercício de funções; um Presidente que se diz incapaz de fazer face
às despesas com uma reforma de 1.300€, recebendo, de facto 10.000€ (por mês);
acumulações de vencimentos e reformas no Governo Regional da Madeira; os mais
de 5.000€ que cada deputado, de facto, aufere (em despesas de representação, ajudas
de custo e mais outras ajudas para fazer cenas); os aumentos de 81 euros
mensais no rendimento dos políticos (sim, quando se introduziram cortes nos
subsídios de férias e de natal); a contratação de boys sem a mínima experiência
na área para vogais, presidentes e outros cargos; a contratação de dois miúdos
de 21 e 22 anos respetivamente para as funções de técnicos especialistas para
acompanhamento das medidas do memorando da troika (ambos com única experiência
profissional 1 estágio de 6 meses/cada); entre muitas, muitas outras, não
poderei de citar a sábia vox populi (hoje estou muito pró-latim) "os
políticos são todos iguais!".<o:p></o:p></div>
<div style="text-align: justify;">
Há uns mais iguais do que outros, claro, mas
porra, é uma corja dum camandro!</div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
kikohttp://www.blogger.com/profile/06956619733637245888noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9693189.post-50548729384269628392013-07-01T17:30:00.002+00:002015-10-26T17:51:21.544+00:00O monstro da ciência - citações<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #444444; font-family: "Helvetica Neue" font-size: x-small;">Na ciência global e interdisciplinar actual, a citação parece ser a cola que permite que a fina corda entre a evidência e a especulação não seja quebrada. Por isso mesmo é a citação a base da qualidade científica de periódicos, de autores, de afiliados e também o barómetro da verticalidade científica do trabalho produzido.</span><span style="color: #444444;"> </span></div>
kikohttp://www.blogger.com/profile/06956619733637245888noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9693189.post-28598189355453322862013-06-07T17:24:00.000+00:002013-06-07T17:24:01.026+00:00os outros
<br />
Dias assim são enfado. São de marfim: frios e duros. Chamam-nos à realidade
que não queríamos acreditar.<o:p></o:p><br />
<br />
Dias assim são enfado. São cruéis: gumes afiados. Deixam-nos perceber a
triste realidade da maralha humana que nos rodeia.<o:p></o:p><br />
<br />
Dias assim são enfado. Tristonhos e sufocantes por perceber que rês má é
difícil de retomar o trilho da humanidade.<o:p></o:p><br />
<br />
Dias assim são sufocantes. Sufocam o impropério que sai com vontade de
atingir o pequeno verme que se diz humano.<o:p></o:p><br />
<br />
Dias assim são uma merda. Vejo que estive sempre errado quando defendi a
tendência humana para a partilha igualitária.<o:p></o:p><br />
<br />
Por mais argumentos que se use, volta tudo à velha tacanhez que os
caracteriza.<o:p></o:p><br />
<br />
Olha Outro, amigo meu, verdadeiro merecedor de homenagem, que se fodam esses
gajos.<o:p></o:p><br />
kikohttp://www.blogger.com/profile/06956619733637245888noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9693189.post-65464271309306177542013-05-06T23:56:00.001+00:002013-05-06T23:57:31.884+00:00A Tábua de Flandres<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjdI-_5e-wxJD0cn4RbzgMhtpdeVl2mGN9RiiDn2LGuiQCC7I6K3LtHAV2p1Li_Z14djiWAufRgbpB3oyARruaKZzB2AVaiG_z-lwaclrmtPaTk_pbFC8nAD2AYbGkvFlfzWpza9A/s1600/a-tabua-de-flandres.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjdI-_5e-wxJD0cn4RbzgMhtpdeVl2mGN9RiiDn2LGuiQCC7I6K3LtHAV2p1Li_Z14djiWAufRgbpB3oyARruaKZzB2AVaiG_z-lwaclrmtPaTk_pbFC8nAD2AYbGkvFlfzWpza9A/s320/a-tabua-de-flandres.jpg" width="211" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<a href="http://www.wook.pt/ficha/a-tabua-de-flandres/a/id/2990597">Obra</a> viciante de <a href="http://www.perezreverte.com/"><span style="color: blue;">Arturo Pérez-Reverte</span></a>.
Já me tinham avisado que era um valor seguro. Percebo agora porquê.</div>
<div style="text-align: justify;">
Policial de primeira que apetece continuar, bem estruturado e envolto em
mistério. A narrativa enreda-se em torno de uma obra de Van Huys, primitivo
flamengo de quinhentos e os seus intérpretes, em novecentos. A história
desenrola-se numa trama de crime e a arte que vai fluindo por intermédio de um
misterioso jogo de xadrez, a lembrar Nabokov. Primoroso na rede sempre
cativante que cria, com final improvável, de qualidade, sem fronteiras
definidas entre o bom e o vilão. Delicioso.<o:p></o:p></div>
kikohttp://www.blogger.com/profile/06956619733637245888noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9693189.post-91006232573717207902013-03-25T18:26:00.000+00:002013-03-25T18:26:55.342+00:00crítica da razão ausente<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgh2DNaP-uMup_pHaYN5RaV1Fgp3j36QmhZLg9_pwSxNGUc2gY_4oHMf7GjQx1bLkOt7taCrM18OpbTuf3ooXwHzjdW7bwiP8oFtkbyetofdoWtRnTfHU33buN_Jgv3Qa6I4QitrQ/s1600/critica.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgh2DNaP-uMup_pHaYN5RaV1Fgp3j36QmhZLg9_pwSxNGUc2gY_4oHMf7GjQx1bLkOt7taCrM18OpbTuf3ooXwHzjdW7bwiP8oFtkbyetofdoWtRnTfHU33buN_Jgv3Qa6I4QitrQ/s320/critica.jpg" width="206" /></a></div>
Acabo de passar os olhos pelo "Crítica da razão ausente" de António Manuel Baptista (AMB). Um livro de 2002 na continuidade da guerra aberta a Boaventura Sousa Santos (BSS). Há altura designada por guerra da ciência, é uma obra divertida de ler por ser uma crítica a BSS no seu "Um discurso sobre as ciências". Na crítica algo feroz ao entendimento que BSS faz de ciência, parece-me mais um manifesto contra a politização do discurso científico (apesar do próprio AMB ser acusado disso mesmo, numa ótica do toma-lá-com-o-que-me-acusas-para-ver-se-gostas). <br />
Tal como no jornalismo em que o discurso é deturpado com objetivos algo dissimulados, também na obra de BSS AMB vê motivações obscuras para a sua produção. Carlos Magno, Prado Coelho, Vasco Graça Moura, são alguns exemplos ao estilo BSS que, ainda que noutras áreas, vão impregnando o leitor de termos complexos e algo dúbios, cheios de salamaleques, para irem cravando ora o cravo (claro) ora a ferradura.<br />
Ainda que com provas dadas, é particularmente irritante essa vontade constante de criticar, para logo agradar, mantendo-se nas boas graças do rotativismo vigente.<br />
Lembro-me, de facto, quando estudava, de ouvir falar do livro de BSS, sempre num tom algo seminal, mas, pela densidade das citações e da terminologia arrevesada, nunca passei da capa. Hoje, passei os olhos sobre o seu pequeno livro. Aliás, acho que é o mais curto calhamaço que li... <br />
Na altura, talvez o reduzido tamanho do livro de BSS tenha-me chamado à atenção. Hoje, ensonou-me.<br />
Interessam-me as questões do comportamento da ciência, das redes de criação científica, da forma como se mapeia o conhecimento, mas, por favor, não me chamem para teorizações do estilo todo-o-conhecimento-científico-natural-é-científico-social ou todo-o-conhecimento-é-auto-conhecimento. <br />
Sinceramente, deixa-me com muito sono. Já o seu contrário, a crítica cáustica, essa é sempre bem-vinda.<br />
kikohttp://www.blogger.com/profile/06956619733637245888noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9693189.post-32036328793080352882013-01-25T18:33:00.001+00:002013-01-25T18:33:11.861+00:00A casa de papel<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg2CF9duRtWzfciRhrVLXN-MRoHhmJtxS1Hucn3uqhnPdYBk7ZNGOgX69iq3lF9Ys7Ab8GHzRgV0j-gn1z4OrkKyCRDIiXLo76FqwsCSdILN3rwx2c35kDzDb0veQTMjfQMlwsDXw/s1600/casa_papel.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg2CF9duRtWzfciRhrVLXN-MRoHhmJtxS1Hucn3uqhnPdYBk7ZNGOgX69iq3lF9Ys7Ab8GHzRgV0j-gn1z4OrkKyCRDIiXLo76FqwsCSdILN3rwx2c35kDzDb0veQTMjfQMlwsDXw/s320/casa_papel.jpg" width="205" /></a></div>
Movendo-se no universo de <a href="http://www.ufvjm.edu.br/site/cafeliterario/a-biblioteca-de-babel-jorge-luis-borges/">A Biblioteca de Babel</a> e do <a href="http://livroseopiniao.blogspot.pt/2012/05/zafon-lanca-continuacao-de-sombra-do.html">Cemitério dos livros esquecidos</a>, o pequeno livro, entre o romance e o conto, de Carlos María Dominguez, é delicioso. <br />
Com enredo muito interessante, desenvolve-se em torno de um esquecido, viajado e cimentado livro. <br />
Deixa perceber uma técnica algo erudita, mesclada com o toque sensual do castelhano sul-americano.<br />
Receita:<br />
Servir <a href="http://gandaia.info/?p=2292">Casa de Papel</a> com clericot.kikohttp://www.blogger.com/profile/06956619733637245888noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9693189.post-83540381343158303182013-01-10T18:06:00.001+00:002013-01-10T18:06:57.016+00:00um deus passeando pela brisa da tarde<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://www.bulhosa.pt/images/products/972210974X.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="http://www.bulhosa.pt/images/products/972210974X.JPG" width="210" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
Ainda com a nostalgia que os bons livros nos deixam, mal os terminamos e, por isso, com a história à flor da pele, não posso deixar em claro a agilidade com que foi escrito e a clareza do enredo, fundamentado nos primórdios do paleocristianismo no contexto da lusitânia romanizada de finais de ocupação.</div>
<div style="text-align: justify;">
É um livro delicioso que justifica a quantidades de reedições já impressas (tenho notícia de pelo menos 12). </div>
<div style="text-align: justify;">
Ladeado entre os ritos da vida privada e o direito romano, descreve magistralmente o quotidiano e a estratificação social clássica, deixando antever os primeiros passos de uma seita que, séculos depois, se tornará dominante.</div>
<div style="text-align: justify;">
Romance histórico muito bem escrito em estilo autobiográfico (do dúunviro Lúcio Valério). A aparente desilusão de, na abertura, referir que "nunca existiu", dificulta a leitura dos primeiros parágrafos, que logo é secundada pela impressionante articulação das várias componentes da história. </div>
<div style="text-align: justify;">
Mário de Carvalho mostra como, a partir de uma boa fundamentação do contexto e com escrita clara e liminar, pode ser tão gratificante a leitura.</div>
<div style="text-align: justify;">
Uma composição da editora Caminho que, como já me havia habituado, não prima pela excelência do design, mas pela qualidade da escolha editorial.</div>
kikohttp://www.blogger.com/profile/06956619733637245888noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9693189.post-40084710174683410372013-01-02T18:12:00.002+00:002013-01-02T18:17:24.251+00:00e mais coisas de ler<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjFn7m97pCQJePeWTrGObCG-Sq63kzS6xF78BfasRZhwdiiHh8_uawP4WtfREUYH3lhWw6ejZCgR54tPhjpVPyYiyfmQ_CUKf_DqAR0KhAKY2Zw62-HCXjv7-14wZ8NojtFyNX1uQ/s1600/manuel_tiago.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjFn7m97pCQJePeWTrGObCG-Sq63kzS6xF78BfasRZhwdiiHh8_uawP4WtfREUYH3lhWw6ejZCgR54tPhjpVPyYiyfmQ_CUKf_DqAR0KhAKY2Zw62-HCXjv7-14wZ8NojtFyNX1uQ/s200/manuel_tiago.jpg" width="137" /></a></div>
Ao contrário da capa da mini-série de Joaquim Leitão, a encadernação do "Até amanhã, camaradas" é algo insipida, bem diferente do miolo cativante que reveste. <br />
<br />
Do editorial Avante, que sempre nos chama para o vermelho vivo doutrinal, apresenta composição gráfica de uma sobriedade tocante dando, até, certo corpo ao enredo que num fôlego se folheia.<br />
<br />
É um livro austero. Sem querer ser um instrumento de propaganda, não deixa de a fazer, numa ambiência de permanente conluio anti-fascista que nos trouxe até aqui. <br />
<br />
Aprecie-se, por entre a trama inquietante dos homens sem nome, tanto as descrições da sociabilidade rural e simples da populaça, quanto os apontamentos místicos que envolvem as personagens revolucionárias.<br />
<br />
Para quem, como eu, não viveu esse tempo, fica um retrato muito interessante do país que me gerou, não só pobre e comezinho, mas também lutador diário, ora por batatas, ora por ideais.kikohttp://www.blogger.com/profile/06956619733637245888noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9693189.post-55332757611404589712012-12-18T19:19:00.000+00:002012-12-18T19:19:34.866+00:00outras coisas, boas, de ler<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhVWoGwsqwS_nxwm47pf8eK61ynzKFAw8nEVNjbFaHlxQSYFVDq1_FuIjRamvT9u3HTmlIKpqMNZ68W1SnlNDMSCWgVSkWeLukwc0UCs7RrGdBrKf4P-KAOuQf9xBFGWq07nJbkug/s1600/corvo.gif" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhVWoGwsqwS_nxwm47pf8eK61ynzKFAw8nEVNjbFaHlxQSYFVDq1_FuIjRamvT9u3HTmlIKpqMNZ68W1SnlNDMSCWgVSkWeLukwc0UCs7RrGdBrKf4P-KAOuQf9xBFGWq07nJbkug/s200/corvo.gif" width="128" /></a>O Corvo da <a href="http://www.relogiodagua.pt/a-editora1.html">Relógio d'Água</a> é uma obra magistral. </div>
<div style="text-align: justify;">
Não que seja um aficionado da poesia, longe disso, mas pela qualidade do génio criativo de uma obra a três vozes, em torno desta obra de <em>Nevermore</em> de <a href="http://relogiodaguaeditores.blogspot.pt/2009/06/porque-edgar-allan-poe.html">Poe</a>. </div>
<div style="text-align: justify;">
É genial a edição tanto no toque, quanto na paginação, no design, na imagética, na composição de interpretações (não consigo usar o termo tradução) de Fernando Pessoa e Machado de Assis e na opção de incluir <a href="http://www.poemhunter.com/poem/annabel-lee/">Anabel Lee</a> (versão original e interpretação de Fernando Pessoa) como adenda final, encorpando o livro. </div>
<div style="text-align: justify;">
Percebeu o editor que o comprador é sensível ao tamanho da lombada e por isso os cerca de 12,00 € são uma pechincha para quem está habituado a comprar cenas-duvidosas menores por bem mais alto preço.</div>
<div style="text-align: justify;">
Qualidade editorial notável que dá ao texto uma roupagem merecida.</div>
<div style="text-align: justify;">
Obrigatório!</div>
kikohttp://www.blogger.com/profile/06956619733637245888noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9693189.post-57683867775003594692012-11-16T18:45:00.003+00:002012-11-16T18:47:15.709+00:00linha amarela I<div style="text-align: justify;">
Então belo marinheiro, partes?</div>
<div style="text-align: justify;">
Sou costeiro, não sou daqueles que criam raizes.</div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
Continua Corto Maltese a buziná-lo. </div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
Pelo caminho, vai com as palavras, chamada para a mudança: seguir sem rumo pelo mar aberto, seguir a costela portuária que o caracteriza, render-se à genética de aventura que o impele para o mar. Talvez assim seja, uma genética de mar que o envolve mais do que essa genética de homem que o martiriza.</div>
<div style="text-align: justify;">
Talvez também essa genética de mudança o impila ao mergulho no mar bravio, fora do caminho ritual de todos os dias, pela linha amarela, derivando da realidade, seguindo-se, quem sabe, sem linha.</div>
<div style="text-align: justify;">
Disse, um dia, que o sonho é o único espaço verdadeiramente livre que tem. Como se tudo o resto fosse condicionado por contextos, enfados, maneiras, gestos que o torna bipolar social, consoante o meio em que marina.</div>
<div style="text-align: justify;">
<em>Sou um ser agrilhoado</em>, diz, a quem o quer ouvir. No consumo, na rotina, nos vícios, nos constumes, nas obrigações e no caminho, curto, que percorre todos os dias até ao destino para logo voltar, comer, dormir, trabalhar, voltar... </div>
<div style="text-align: justify;">
Parece esperar a morte. Anda sem sentido deixando que a vida passe sem dar por ela. </div>
<div style="text-align: justify;">
Passa o rio douro e, tal como ele, corre pela linha para o fim, impassível, resignado.</div>
<div style="text-align: justify;">
<em>É que cada um faz o que quer da vida</em>, pensa. Mas, na realidade, a vida guia-o ao caminho que tem de percorrer, sem grande critério ou método.</div>
<div style="text-align: justify;">
No metro, na linha portanto, os olhares, sentados, aguardam o destino. Mas também aguardam a derradeira viagem olhando, sem critério (também eles) os transeuntes, tentando encontrar, nos reflexos das janelas, outro olhar, gesto, intenção, olhar, gesto, intenção... </div>
<div style="text-align: justify;">
Pensa todos os dias que em 100 anos a linha irá vazia de todos os que lá vão. Como um metro fantasma para a eternidade, condenado a percorrer a linha, amarela, com os que vão sobrando até esvaziar-se do último homem e continuar caminho, fantasmagórico, numa linha que de amarelo terá já pouco, de esverdeado, muito.</div>
kikohttp://www.blogger.com/profile/06956619733637245888noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9693189.post-2433878910424349122012-08-21T16:40:00.003+00:002012-08-21T16:40:40.088+00:00coisas perturbadoras de ler<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhLMcMbqmgnY4FMKGEu07g12KZjklVS7BoFsYBiC2hsNe4VO9JxIy4817Ifh0pK6uLdsRSQfz6e5K44M2eqHgTRRr8630hW-fIxiF6SfS9AHH4aYvD9DG9aC1wgP6OiXSyhn3U20w/s1600/Jerusalem.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; cssfloat: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" mda="true" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhLMcMbqmgnY4FMKGEu07g12KZjklVS7BoFsYBiC2hsNe4VO9JxIy4817Ifh0pK6uLdsRSQfz6e5K44M2eqHgTRRr8630hW-fIxiF6SfS9AHH4aYvD9DG9aC1wgP6OiXSyhn3U20w/s320/Jerusalem.jpg" width="206" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
Perturbador. Foi a palavra que encontrei para descrever "Jerusalém" de Gonçalo M. Tavares. </div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
Numa escrita tipicamente europeia, algo cinzenta, quase preta, é um livro delicioso, de um rigor científico tanto na complexa rede de relações entre as personagens, quanto no enredo que se vai revelando ao longo da(s) história(s).</div>
<div style="text-align: justify;">
A edição é da Caminho que, no entanto, não faz jus à qualidade do conteúdo. Nota-se laxismo na composição, demonstrada tanto na rudeza do desenho, quanto no relaxe da paginação. De facto percebe-se alguma incompreensão por parte do editor em encontrar o melhor empacotamento para uma obra de grande carácter. </div>
<div style="text-align: justify;">
Se o conceito “livros pretos” é perfeito, a forma como o livro (o embrulho, não o conteúdo) é construído, é rudimentar, incomparável com composições como de “O Corvo” (sobre o qual postarei em breve) da Relógio d´Água ou como os volumes da coleção Clássicos da Cotovia. </div>
<div style="text-align: justify;">
A sua sucessiva reedição sustenta-se, quanto a mim , numa força de vendas maior, a da qualidade da escrita e da pujança do enredo.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Obrigatório passar os olhos.</div>
kikohttp://www.blogger.com/profile/06956619733637245888noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9693189.post-34660026390415342182012-08-17T09:17:00.000+00:002012-08-17T09:18:25.595+00:00coisas de ler<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi8qwr7iWgiGrL5epz9Kl-LKbfjUxQG6IiXtVB4GRw0bJ8wKCorbQcvvsEzeAyg0xz13JcVs0J5vmhDEp9e-xitZ8JXsPtPovq04ASc7z87byHXHwLhun6y9fu7fIY9AE8UWZ_wwQ/s1600/quandolisboatremeu.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; cssfloat: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" mda="true" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi8qwr7iWgiGrL5epz9Kl-LKbfjUxQG6IiXtVB4GRw0bJ8wKCorbQcvvsEzeAyg0xz13JcVs0J5vmhDEp9e-xitZ8JXsPtPovq04ASc7z87byHXHwLhun6y9fu7fIY9AE8UWZ_wwQ/s320/quandolisboatremeu.jpg" width="211" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
"Recomendo-o sem qualquer tipo de reserva" lê-se em blogs e comentários de quem, como o quioske, rumina literatura de vez em quando. </div>
<div style="text-align: justify;">
O livro "Quando Lisboa Tremeu" de Domingos Amaral é bom exemplo de leitura de Verão, despreocupada. Porém, não me convence.</div>
<div style="text-align: justify;">
Não que eu tenha os pruridos intelectuais de uma decadente elite literária portuguesa. Nem que considere o romance histórico uma novela barata da TVI. Na realidade gosto muito do género e, quando com qualidade, é uma excelente forma de exercitar o desprendimento temporal e de contexto.</div>
<div style="text-align: justify;">
De facto, o livro apresenta bom enredo, boa articulação das personagens e uma envolvência algo aliciante de desespero, morte e sexo, sempre ao bom gosto "sangue, pão e circo" de que todos gostam.</div>
<div style="text-align: justify;">
A obra em torno do terramoto de Lisboa de 1755 e dos dias que o sucederam é uma obra algo interessante, com um final razoavelmente bom, mas, quanto a mim, mal construído. </div>
<div style="text-align: justify;">
Na realidade, apresenta-se repetitivo (talhava-lhe 5 ou 6 cadernos) na catadupa de eventos em torno de dois fugitivos do Limoeiro, de um rapaz órfão e de uma freira algo devassa condenada à fogueira. Apresenta alguns factos secundários interessantes, caracterizadores da época, mas a circularidade da ligação entre personagens, a limitação do espaço (a cidade de Lisboa) e a continuada repetição das descrições, tornam o livro maçador, como se estivéssemos a ler o mesmo vezes sem conta.</div>
<div style="text-align: justify;">
O final, relativamente inesperado, apesar de clássico, difere-o de romances históricos francamente fracos que já comentamos (p.e. A Estratégia do Bobo), mas não deixa de ser exagerada a reiterada repetição, como se, à falta de dados novos, fossem necessários exercícios gramaticais para prolongar o que já foi dito, páginas atrás.</div>
<div style="text-align: justify;">
Vale o preço que apresenta na edição de bolso, não é mau, mas a força do título merecia igual força do miolo.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
kikohttp://www.blogger.com/profile/06956619733637245888noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9693189.post-69572332209495653742012-08-10T17:08:00.000+00:002012-08-10T17:10:20.850+00:00quiosque patrício<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhEPuFY_-uGOLBTyNgNs-T0YCk89oBS-8USHHd_jYCZMheoUKbtODQh6pAsnobtRQtOXnBn9seW4hxiwgUfb16v0DF6i6LJkmIDxmsBYxNQs5Qwae_lVhFwrcw2_xjuQLyRkfl95A/s1600/Quiosque.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; cssfloat: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" kda="true" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhEPuFY_-uGOLBTyNgNs-T0YCk89oBS-8USHHd_jYCZMheoUKbtODQh6pAsnobtRQtOXnBn9seW4hxiwgUfb16v0DF6i6LJkmIDxmsBYxNQs5Qwae_lVhFwrcw2_xjuQLyRkfl95A/s320/Quiosque.jpg" width="240" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
Patrício é um filho da puta. Não daqueles cabrõezinhos que dão a facada na primeira ocasião para fazer dinheiro. Não. Também não o é pela sua santa mãe que o alimentou, desde tenra idade, com dinheiros amassados à custa do corpo. Não.</div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
É antes um filho da puta amoral. Um daqueles que pesa os escrúpulos quando à frente se colocam valores instituídos, mas que os quebra à primeira oportunidade. O seu quiosque de 1 por 1 reflete-o. É Patrício espelhado.</div>
<div style="text-align: justify;">
Único aberto até altas horas, é um quiosque noctívago, isto é, abre de noite, fecha de dia. Não pelas vendas aumentarem, longe disso, nem para poder fugir às rusgas legais que à porta batem em horas de pessoas normais. Não. </div>
<div style="text-align: justify;">
Abre para o engate. Para o engate. O homem do quiosque é conhecido por aplacar qualquer incauta que lhe vá na lábia. </div>
<div style="text-align: justify;">
Vende muito tabaco o quiosque do Patrício. Também já vendeu cerveja contrafeita, mas os donos dos bares da zona já trataram disso, os filhos da puta.</div>
<div style="text-align: justify;">
Agora vende tabaco, muito tabaco. De enrolar principalmente. E contrafeito, aquele sem etiqueta. Desse também. Vende muito desse o quiosque do Patrício. E há noite é melhor, não há tantas rusgas. </div>
<div style="text-align: justify;">
Há, mas são para fechar os bares. São os filhos das putas dos vizinhos que os chamam depois de atirarem sacos de mijo à cabeça dos bêbados filhos das putas que fazem pandega à porta dos bares.</div>
<div style="text-align: justify;">
Mas são uns filhos das putas amorosos esses bêbados. São. Compram tabaco. Às vezes cravam um. Não têm dinheiro, coitados. Percebe-se, foi tudo nos copos. Fica a vontade de mais um cigarro para aplacar a serradura lingual que fica no limbo pré-ressaca. E com o cigarro vem a saliva. E com ela o amainar do serrim seco que quebra os lábios e dificulta a fala. Sim. É isso que dificulta a fala. Não é a cerveja, é a lixa.</div>
<div style="text-align: justify;">
E com isso, lá dá um cigarro Patrício, para logo vender mais um maço. Um crava hoje é um cliente amanhã, pensa por vezes Patrício. Tirando, claro, os cravas profissionais. Mas esses já os conhece Patrício. São uns filhos das putas esses cravas convictos. Sempre a cravar, sempre a cravar. Filhos das putas é o que são.</div>
<div style="text-align: justify;">
Neste vai e vem de bêbados e cravas, lá aparece uma oportunidade. Dessas que acabam a noite excitadas mas sozinhas pela inércia de um qualquer filho da puta que não lhe soube dar a volta, pensa Patrício. E essas, pesca-as todas Patrício. É um filho da puta Patrício. Fecha a portinhola do seu quiosque, abre a braguilha. Todas quiseram. Disso todos têm a certeza. Até Patrício. E elas também, não há dúvida.</div>
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Por uma ou outra vez, por falta de melhor, lá foi um crava ao castigo. Fecha a portinhola do quiosque, abre a braguilha. Pronto. Esses cravas por norma não voltam. É uma boa tática, pensa Patrício. Afasta os mosquitos, diz Patrício.</div>
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Por cada novo entrante no quiosque, faz Patrício um traço no interior do seu quiosque. Filho da puta o Patrício. Algumas (e alguns) tentaram entrar de novo no seu quiosque afoito, mas Patrício não vai na conversa. Quer novidades, não quer mais do mesmo, o filho da puta.</div>
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Os porteiros dos bares da zona já o conhecem de ginjeira. É o Patrício, filho da puta. Não é nada de especial o rapaz, mas deve ter um instrumento de ouro, dizem. Todos o querem.</div>
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No final da noite lá fecha Patrício o seu quiosque. Por vezes (muitas) sem faturar. Outras, vai contente Patrício ajeitando as calças à macho. Vai dormir. Há noite tem de estar fresco para a faina.</div>
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Sabe Patrício que é um filho da puta. Mas não quer pensar nisso. Está bem como está. É o que é. E sobre isso, nada a fazer.</div>
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<br /></div>kikohttp://www.blogger.com/profile/06956619733637245888noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9693189.post-88812440885120696262012-08-06T12:36:00.000+00:002012-08-06T12:36:45.553+00:00pérolas do outro mundoNão posso deixar de partilhar uma pérola histórica que acabo de ler numa tese de doutoramento acabada de ser defendida e APROVADA:<br />
"Em Portugal a expansão do saber (...) desencadeou, a nível educativo, reformas e contra-reformas, das quais destacamos:<br />
- A reforma pombalina que implementou a laicização do ensino, pela expulsão das Ordens Religiosas (...)"<br />
<br />
Apresenta outras pérolas semelhantes, como a sugestão de que a ditadura militar teve como consequência o "aumento do nível da taxa de analfabetismo quando, em 1835, Portugal tinha sido o quarto país do mundo a decretar a escolaridade obrigatória".<br />
<br />
Se isto fosse o Facebook, não clicaria em GOSTO, clicaria em GOSTO MESMO MUITO DE PÉROLAS ANACRÓNICAS E DISPARATADAS!<br />
<br />
E assim vai a pujança científica nacional...<br />
<br />kikohttp://www.blogger.com/profile/06956619733637245888noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9693189.post-19208585177305919542012-08-02T16:50:00.000+00:002012-08-14T17:39:22.751+00:00mais coisas de lerPondo os comentários literários em dia (sou um gajo pretensioso), dedico-me agora ao "Afirma Pereira" de Antonio Tabucchi, o meu primeiro livro do autor.<o:p></o:p><br />
Sumariamente, é um livro a não perder. <o:p></o:p><br />
Adaptado para o cinema um ano após o seu lançamento, desenrola-se em lisboa, num verão tórrido de 38 e retrata uma cidade (e um país) acomodada ao regime Boca-Fechada-e-Pouco-Pio, que teima ainda em permanecer, focando-se no acordar paulatino de um solitário jornalista lisboeta.<o:p></o:p><br />
A leveza das palavras é, quanto a mim, a principal eloquência do livro. Num contexto romântico urbano, pauta pela suavidade da escrita, pela incomparável fluidez do discurso e pela construção progressiva de um enredo que se adensa à medida que o texto avança. <o:p></o:p><br />
De pasmar os diálogos fluentes e o jogo de palavras sugerindo uma transcrição de qualquer interrogatório policial perdido num arquivo central, tornando, assim, o final surpreendente.<o:p></o:p><br />
Vale, por fim, pela implacável humanidade que encerra, afirmo eu.kikohttp://www.blogger.com/profile/06956619733637245888noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9693189.post-51568448316000579852012-07-31T17:16:00.000+00:002012-08-14T17:39:39.953+00:00Coisas de ler<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjXAUttZlHS7poD1f72p-xHL-66UVbsbELrWnCBnkyqR11eMDtjPLXSAdjXm9Lf78YCQWXF4OGT6wJXWrRU6hIsH4xQT0pz-zTcaKHcpocEPAwrke2yxJ9zT0aFE9f3RwopoMlHNQ/s1600/baudolino.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; cssfloat: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" eda="true" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjXAUttZlHS7poD1f72p-xHL-66UVbsbELrWnCBnkyqR11eMDtjPLXSAdjXm9Lf78YCQWXF4OGT6wJXWrRU6hIsH4xQT0pz-zTcaKHcpocEPAwrke2yxJ9zT0aFE9f3RwopoMlHNQ/s1600/baudolino.jpg" /></a></div>
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Depois de sucessivos adiamentos lá terminou "Baudolino". Começa a ser recorrente a leitura amputada para mais tarde terminar, mais amansado da agrura das palavras.</div>
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Não que não seja uma escrita fluente e com enredo interessante, mas o anúncio, à partida, de mais um Fernão Mendes Pinto, havia-me desinteressado do enredo.</div>
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É, na realidade, mais um livro de fôlego de Umberto Eco pontilhado por um rigor histórico que vaticina, para quem aprecia a carga mística do espaço mental medieval, uma real compreensão das questões estéticas e espirituais que rodeiam o pensamento e os atos do homem do séc. XII.</div>
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Amplamente imbuído de uma religiosidade e de uma conceção do mundo como resultado do pecado original, não esquecendo o complexo jogo geopolítico que caracterizou o período do império de Frederico I, a obra reflete um profundo conhecimento do bestiário e pensamento medieval, mediado entre um deus aurifico e um mundo de seres lendários que povoam o mundo desconhecido.</div>
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Aprecie-se especialmente, quanto a mim, as questões do surgimento das primeiras universidades, dos jogos de poder político-religioso entre Frederico I e Alexandre III, do pensamento teocrático medieval, da conceção do mundo paralelo de bestas indizíveis, dos jogos de poder do império bizantino, do culto das relíquias (e produção) e, pérola improvável, das questões do retomar do pensamento clássico hipaciano, preconizador do pensamento renascentista que séculos depois ir-se-á impor.</div>
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Destaco a requalificação que Umberto Eco faz da "Casa Dourada de Samarcanda" imortalizado por Hugo Pratt, prisioneiros míticos de <span class="ft">Aloadin que aqui surgem magníficos.</span></div>
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<span class="ft">Bom livro para quem aprecia alguma densidade do pensamento <i style="mso-bidi-font-style: normal;">pantocratico</i> do contexto medieval.</span></div>
kikohttp://www.blogger.com/profile/06956619733637245888noreply@blogger.com0