- Sinto algo muito estranho, Balu... É como se os meus olhos ardessem. Nunca me tinha acontecido. Estarei doente?
- Não, Mogli. São lágrimas - disse Baguera-. Algo que nós nunca poderemos sentir, só os humanos...
E, deixando rolar aquele fogo dos seus olhos pelas faces, Mogli dirigiu-se à aldeia.
As lágrimas dos homens... as lágrimas dos homens... pensava enquanto debitava mecânico o final da história.
Também aquele fogo havia rolado de meus olhos, anos antes, quando finalmente degolara a culpa atribuída que me pesava a consciência.
Do choro nascera a raiva que, com o tempo, transformara-se em tristeza profunda. Foi-se suavizando até se tornar macia... intocável... indiferente...
Mas o peso da culpa que atribuía por décadas de silêncio incorruptível, avassalador, (in)transposto, matinha-se macerador, remoendo os ossos do quiosque vivo de miudezas que tanto custava a vender.
Tudo mudara quando, num insuspeito dia soalheiro de verão, as abandonadas palavras romperam, trôpegas, pelos lábios moribundos do insano culpado.
"Sinto algo estranho" pensei, no momento em que o fogo rolou pelas faces, em catadupa, tal o peso da libertação.
Tudo mudara! Da indiferença brotaram portuguesices sentimentais. Compaixão e piedade arrumaram o rancor e arrefeceram o fogo...
Mas apagá-lo, libertar das cinzas o quiosque em fogo vivo, não. Talvez o fim das suas miudezas possam aliviar o espaço, dedicando-o ao rescaldo de labaredas acesas noutras frentes.
A ressonância da culpa degolada, de quando em vez, volta, para lembrar que lá está, nunca debelada, sedosa ou indiferente.
Mantém-se enraivecida, mas escondida, pelo intercalar da memória em declínio.
- Não, Mogli. São lágrimas - disse Baguera-. Algo que nós nunca poderemos sentir, só os humanos...
E, deixando rolar aquele fogo dos seus olhos pelas faces, Mogli dirigiu-se à aldeia.
As lágrimas dos homens... as lágrimas dos homens... pensava enquanto debitava mecânico o final da história.
Também aquele fogo havia rolado de meus olhos, anos antes, quando finalmente degolara a culpa atribuída que me pesava a consciência.
Do choro nascera a raiva que, com o tempo, transformara-se em tristeza profunda. Foi-se suavizando até se tornar macia... intocável... indiferente...
Mas o peso da culpa que atribuía por décadas de silêncio incorruptível, avassalador, (in)transposto, matinha-se macerador, remoendo os ossos do quiosque vivo de miudezas que tanto custava a vender.
Tudo mudara quando, num insuspeito dia soalheiro de verão, as abandonadas palavras romperam, trôpegas, pelos lábios moribundos do insano culpado.
"Sinto algo estranho" pensei, no momento em que o fogo rolou pelas faces, em catadupa, tal o peso da libertação.
Tudo mudara! Da indiferença brotaram portuguesices sentimentais. Compaixão e piedade arrumaram o rancor e arrefeceram o fogo...
Mas apagá-lo, libertar das cinzas o quiosque em fogo vivo, não. Talvez o fim das suas miudezas possam aliviar o espaço, dedicando-o ao rescaldo de labaredas acesas noutras frentes.
A ressonância da culpa degolada, de quando em vez, volta, para lembrar que lá está, nunca debelada, sedosa ou indiferente.
Mantém-se enraivecida, mas escondida, pelo intercalar da memória em declínio.
2 comentários:
Grande! Cá estou eu sempre atento à alma que escreve!
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