6.22.2007

o domínio do delírio e da alucinação

Sinto em mim, neste momento, qualquer coisa de estranho, de perturbante...

A fantasia sobre alto, a regiões inacessíveis, em cavalgaduras valquirianas, para além das nuvens, a perder-se na penumbra do infinito. Vou seguindo, involuntariamente, trajectórias que não obedecem a regras ou traçados. As luzes do bom senso começam a extinguir-se.

Não ouvem? Não sentem o estropear dos ginetes, o guizalhar dos truões, as gargalhadas dos bobos, as arruaças dos estriões, o ruído das matracas, o grito estridente das trombetas, um clamor jazebândico de agressivos sons?


É o cortejo que surge!


Fez-se silêncio.

Não vêem? Abrem alas. Todos se dobram reverentes. Sobre tapeçarias de bizarras cores, avança a passos resolutos, na indumentária de cerimónia do advento do século de Quinhentos, uma dama altiva, de vestido branco, longas mangas perdidas, gola cingida sobre encaixe agaloado, capacete bordado a pérolas...


É sua Majestade a Loucura!


A fanfarra e o séquito debandaram...


Apenas a acompanha um homem baixo, cuja fisionomia me não é estranha, sem a sua gorra escura, nem a sua face vincada de traços firmes e vigoroso. Fitam-me, de relance, os seus olhos azuis que lembram oriem nortenha. Oculta-se atrás da figura esbelta da dama que avança. Pede atenção. A Loucura vai falar.

In Moniz, Egas (1948). O Domínio do Delírio e da Alucinação. Centenário do Hospital Miguel Bombarda - Antigo Hospital de Rilhafoles (1848-1948). p. 233.