12.23.2008

linda elísia e seus dois quiosques

Elísia de róseos dedos, qual aurora de outros tempos, desponta devagar para mais um derradeiro dia no mar de prisões que a libertam das grilhetas.

Fotografias centenárias chamam por ela, dia após dia, no soturno quarto de vão de escada que lhe dá guarida, depois dos anos idos em saurées e vestidos esvoaçantes, lilases e carmins, de decotes tentadores e olhares de soslaio.

Elísia de tez suave desiste do desabrochar, quer mais um minuto do sonho lindo de madame que insiste em aparecer, dia após dia, no melancólico quarto de vão de escada que lhe dá guarida, depois de décadas de ordens dadas e vontades satisfeitas, de vénias à sua passagem, de salamaleques pela sua presença, de anuências ao seu desejo.

Elísia perfumada de si mesma volta-se no cafre, espalhando o hálito quente do macilento lençol, que dia após dia é sua companhia de solidão, depois de minutos de fama, horas de glória e dias de júbilo pela sua existência, matriarca das gentes, criadora do céu e da terra, glória de todos os tempos, vontade de todos os homens.

Elísia de esguio pescoço, deixa-se cair na almofada granulosa, depois de tempos idos de vã glória, de mandar, de querer e receber.

Acorda linda Elísia! És livre agora - diz para si.

Acordou linda Elísia no seu casebre de vontades, desejos e quereres, no seu quiosque de verdade.
Acordou linda Elísia, livre do estigma e da vontade alheia.
Acordou linda Elísia com seus olhares enigmáticos e aterradores pela possibilidade de ver cá dentro, como nunca ninguém viu em todos os tempos paralelos.
Acordará linda Elísia, uma e outra vez, sem interrupções, livre, radiante e sonhadora. Renovará o acordar de todas as Elísias passadas, presentes e futuras até adormecer finalmente, embalada pelo relojoeiro universal.