12.19.2015

Afonso III, o bolonhês


Freitas do Amaral, autor seminal na área do direito português, tem-se dedicado à autoria de escritos de divulgação relacionados com a história da nacionalidade.

Depois do sucesso retumbante de Afonso Henriques - Biografia, de 2001, com mais de 80 mil exemplares vendidos e de Viriato em 2003, lança agora novo livro sobre a personagem controversa de Afonso III (1212-1279), editado pela Bertrand editora.

De escrita leve e corrida, relata a vida do que o autor define como "um grande homem de estado" nas décadas conturbadas do início da nacionalidade (séc. XIII), num país débil e periférico encravado entre o Gharb Al-Andalus, a sul, e os reinos de Leão e Castela a norte e este.

Sem pretender ser um trabalho de investigação, é um excelente livro de divulgação apoiado em bibliografia específica sobre o tema. Apesar de alguns comentários algo anacrónicos, apresenta a sua visão sobre esta personagem ímpar para a criação e consolidação do Estado em Portugal e para a organização administrativa e legislativa das quais prevalecem, ainda hoje, reminiscências.

Apresenta, ainda, algumas considerações pertinentes sobre factos históricos, fruto da sua larga experiência nas áreas políticas e legais, acrescentando, por isso, valor a uma obra que poderia ter sido de mero relato a partir de fontes secundárias.

Lança, por fim, apesar de não o referir expressamente, algumas questões interessantes a aprofundar, nomeadamente, quanto aos acasos que o tornaram rei, por morte do irmão Sancho II, que legitimaram a sua sucessão, por morte da primeira mulher (Matilde II, condessa de Bolonha), e que permitiram iniciar o processo de apaziguamento das relações do reino com o papado, por eleição do Papa português João XXI, cujo processo viria a ser interrompido por morte deste.

Será, por isso, interessante averiguar o posicionamento e ação de Afonso III em Roma e Paris, por intermédio dos seus adidos diplomáticos, na eleição de Pedro Hispano, amigo pessoal (e confessor) de Afonso III, cuja aclamação para pontífice permitiu empreender os primeiros passos para o desbloqueio das difíceis relações da coroa com Roma, motivado pelas ações de reafetação de territórios, que haviam sido ocupados pelo clero, à coroa.

Um livro interessante baseado em bibliografia portuguesa - com forte sustentação na biografia de Afonso III da autoria de Leontina Ventura e na História de Portugal de Alexandre Hereculano - que vale a pena ler.

4.28.2015

Há livros que são


Há livros que são, na realidade, um folguedo. Hemingway, em obra publicada a título póstumo, comprova-o.
Havia já largos anos que não tocava na sua obra por ter terminado, precoce, a minha incursão na larga série “livros do brasil” e na monumental “coleção vampiro” que meu avô compilava, religiosamente, na prateleira da sala e que eu catalogara com o carinhoso epíteto de “a libralhada belha”. Os livros de Hem serviriam, então, de tira-gosto entre Maigretes e Poirotes, tendo-me levado por outros caminhos para lá dos policiais.
Passaram-se, pois, mais de 20 anos desde a última vez e, por isso, havia guardado a genialidade simples da sua obra no fundo do meu emperrado contador da memória.
Em “Paris é uma festa” a genialidade da narrativa séria, justa e escorreita, a descrição viva de formas e sentidos, a prosa simples e sadia, a descrição autobiográfica – quase voyeurista – fervilha em cada página, revestindo-as de uma intensidade que vale a pena desfolhar, de tão maduras que estão.
Numa narrativa corrente e lesta, relembra os anos entre guerras, descrevendo o dia-a-dia numa cidade viável que não nos é permitido conhecer. Uma cidade em que a pobreza e o sonho não esbarravam contra a dignidade, em que gente comum convive miscigenando, na carência de meios, os heróis do quotidiano, os sobreviventes de uma Europa que se erguia da ruína e que, ironia, caminharia, de novo, para o abismo.
Não só da escrita fluente e realista vive a obra. Estratégicas passagens, de uma simplicidade impressionante, imprimem-lhe a força necessária para continuar. São, na verdade, farpas sonoras de amigo afoito empestando o ar e, teimando em permanecer, lembrando que nem só de som se faz a bufa. É flatulência, de facto, mas de uma que não assiste a todos, é de uma amena e purificada delicadeza, enfim, daquela que cheira ao regaço da rainha santa isabel.