12.18.2012

outras coisas, boas, de ler

O Corvo da Relógio d'Água é uma obra magistral.
Não que seja um aficionado da poesia, longe disso, mas pela qualidade do génio criativo de uma obra a três vozes, em torno desta obra de Nevermore de Poe.
É genial a edição tanto no toque, quanto na paginação, no design, na imagética, na composição de interpretações (não consigo usar o termo tradução) de Fernando Pessoa e Machado de Assis e na opção de incluir Anabel Lee (versão original e interpretação de Fernando Pessoa) como adenda final, encorpando o livro. 
Percebeu o editor que o comprador é sensível ao tamanho da lombada e por isso os cerca de 12,00 € são uma pechincha para quem está habituado a comprar cenas-duvidosas menores por bem mais alto preço.
Qualidade editorial notável que dá ao texto uma roupagem merecida.
Obrigatório!

11.16.2012

linha amarela I

Então belo marinheiro, partes?
Sou costeiro, não sou daqueles que criam raizes.
 
Continua Corto Maltese a buziná-lo.
 
Pelo caminho, vai com as palavras, chamada para a mudança: seguir sem rumo pelo mar aberto, seguir a costela portuária que o caracteriza, render-se à genética de aventura que o impele para o mar. Talvez assim seja, uma genética de mar que o envolve mais do que essa genética de homem que o martiriza.
Talvez também essa genética de mudança o impila ao mergulho no mar bravio, fora do caminho ritual de todos os dias, pela linha amarela, derivando da realidade, seguindo-se, quem sabe, sem linha.
Disse, um dia, que o sonho é o único espaço verdadeiramente livre que tem. Como se tudo o resto fosse condicionado por contextos, enfados, maneiras, gestos que o torna bipolar social, consoante o meio em que marina.
Sou um ser agrilhoado, diz, a quem o quer ouvir. No consumo, na rotina, nos vícios, nos constumes, nas obrigações e no caminho, curto, que percorre todos os dias até ao destino para logo voltar, comer, dormir, trabalhar, voltar...
Parece esperar a morte. Anda sem sentido deixando que a vida passe sem dar por ela.
Passa o rio douro e, tal como ele, corre pela linha para o fim, impassível, resignado.
É que cada um faz o que quer da vida, pensa. Mas, na realidade, a vida guia-o ao caminho que tem de percorrer, sem grande critério ou método.
No metro, na linha portanto, os olhares, sentados, aguardam o destino. Mas também aguardam a derradeira viagem olhando, sem critério (também eles) os transeuntes, tentando encontrar, nos reflexos das janelas, outro olhar, gesto, intenção, olhar, gesto, intenção... 
Pensa todos os dias que em 100 anos a linha irá vazia de todos os que lá vão. Como um metro fantasma para a eternidade, condenado a percorrer a linha, amarela, com os que vão sobrando até esvaziar-se do último homem e continuar caminho, fantasmagórico, numa linha que de amarelo terá já pouco, de esverdeado, muito.

8.21.2012

coisas perturbadoras de ler

Perturbador. Foi a palavra que encontrei para descrever "Jerusalém" de Gonçalo M. Tavares.
Numa escrita tipicamente europeia, algo cinzenta, quase preta, é um livro delicioso, de um rigor científico tanto na complexa rede de relações entre as personagens, quanto no enredo que se vai revelando ao longo da(s) história(s).
A edição é da Caminho que, no entanto, não faz jus à qualidade do conteúdo. Nota-se laxismo na composição, demonstrada tanto na rudeza do desenho, quanto no relaxe da paginação. De facto percebe-se alguma incompreensão por parte do editor em encontrar o melhor empacotamento para uma obra de grande carácter.
Se o conceito “livros pretos” é perfeito, a forma como o livro (o embrulho, não o conteúdo) é construído, é rudimentar, incomparável com composições como de “O Corvo” (sobre o qual postarei em breve) da Relógio d´Água ou como os volumes da coleção Clássicos da Cotovia.
A sua sucessiva reedição sustenta-se, quanto a mim , numa força de vendas maior, a da qualidade da escrita e da pujança do enredo.

Obrigatório passar os olhos.

8.17.2012

coisas de ler

"Recomendo-o sem qualquer tipo de reserva" lê-se em blogs e comentários de quem, como o quioske, rumina literatura de vez em quando.
O livro "Quando Lisboa Tremeu" de Domingos Amaral é bom exemplo de leitura de Verão, despreocupada. Porém, não me convence.
Não que eu tenha os pruridos intelectuais de uma decadente elite literária portuguesa. Nem que considere o romance histórico uma novela barata da TVI. Na realidade gosto muito do género e, quando com qualidade, é uma excelente forma de exercitar o desprendimento temporal e de contexto.
De facto, o livro apresenta bom enredo, boa articulação das personagens e uma envolvência algo aliciante de desespero, morte e sexo, sempre ao bom gosto "sangue, pão e circo" de que todos gostam.
A obra em torno do terramoto de Lisboa de 1755 e dos dias que o sucederam é uma obra algo interessante, com um final razoavelmente bom, mas, quanto a mim, mal construído.
Na realidade, apresenta-se repetitivo (talhava-lhe 5 ou 6 cadernos) na catadupa de eventos em torno de dois fugitivos do Limoeiro, de um rapaz órfão e de uma freira algo devassa condenada à fogueira. Apresenta alguns factos secundários interessantes, caracterizadores da época, mas a circularidade da ligação entre personagens, a limitação do espaço (a cidade de Lisboa) e a continuada repetição das descrições, tornam o livro maçador, como se estivéssemos a ler o mesmo vezes sem conta.
O final, relativamente inesperado, apesar de clássico, difere-o de romances históricos francamente fracos que já comentamos (p.e. A Estratégia do Bobo), mas não deixa de ser exagerada a reiterada repetição, como se, à falta de dados novos, fossem necessários exercícios gramaticais para prolongar o que já foi dito, páginas atrás.
Vale o preço que apresenta na edição de bolso, não é mau, mas a força do título merecia igual força do miolo.

8.10.2012

quiosque patrício

Patrício é um filho da puta. Não daqueles cabrõezinhos que dão a facada na primeira ocasião para fazer dinheiro. Não. Também não o é pela sua santa mãe que o alimentou, desde tenra idade, com dinheiros amassados à custa do corpo. Não.
É antes um filho da puta amoral. Um daqueles que pesa os escrúpulos quando à frente se colocam valores instituídos, mas que os quebra à primeira oportunidade. O seu quiosque de 1 por 1 reflete-o. É Patrício espelhado.
Único aberto até altas horas, é um quiosque noctívago, isto é, abre de noite, fecha de dia. Não pelas vendas aumentarem, longe disso, nem para poder fugir às rusgas legais que à porta batem em horas de pessoas normais. Não.
Abre para o engate. Para o engate. O homem do quiosque é conhecido por aplacar qualquer incauta que lhe vá na lábia.
Vende muito tabaco o quiosque do Patrício. Também já vendeu cerveja contrafeita, mas os donos dos bares da zona já trataram disso, os filhos da puta.
Agora vende tabaco, muito tabaco. De enrolar principalmente. E contrafeito, aquele sem etiqueta. Desse também. Vende muito desse o quiosque do Patrício. E há noite é melhor, não há tantas rusgas.
Há, mas são para fechar os bares. São os filhos das putas dos vizinhos que os chamam depois de atirarem sacos de mijo à cabeça dos bêbados filhos das putas que fazem pandega à porta dos bares.
Mas são uns filhos das putas amorosos esses bêbados. São. Compram tabaco. Às vezes cravam um. Não têm dinheiro, coitados. Percebe-se, foi tudo nos copos. Fica a vontade de mais um cigarro para aplacar a serradura lingual que fica no limbo pré-ressaca. E com o cigarro vem a saliva. E com ela o amainar do serrim seco que quebra os lábios e dificulta a fala. Sim. É isso que dificulta a fala. Não é a cerveja, é a lixa.
E com isso, lá dá um cigarro Patrício, para logo vender mais um maço. Um crava hoje é um cliente amanhã, pensa por vezes Patrício. Tirando, claro, os cravas profissionais. Mas esses já os conhece Patrício. São uns filhos das putas esses cravas convictos. Sempre a cravar, sempre a cravar. Filhos das putas é o que são.
Neste vai e vem de bêbados e cravas, lá aparece uma oportunidade. Dessas que acabam a noite excitadas mas sozinhas pela inércia de um qualquer filho da puta que não lhe soube dar a volta, pensa Patrício. E essas, pesca-as todas Patrício. É um filho da puta Patrício. Fecha a portinhola do seu quiosque, abre a braguilha. Todas quiseram. Disso todos têm a certeza. Até Patrício. E elas também, não há dúvida.
Por uma ou outra vez, por falta de melhor, lá foi um crava ao castigo. Fecha a portinhola do quiosque, abre a braguilha. Pronto. Esses cravas por norma não voltam. É uma boa tática, pensa Patrício. Afasta os mosquitos, diz Patrício.
Por cada novo entrante no quiosque, faz Patrício um traço no interior do seu quiosque. Filho da puta o Patrício. Algumas (e alguns) tentaram entrar de novo no seu quiosque afoito, mas Patrício não vai na conversa. Quer novidades, não quer mais do mesmo, o filho da puta.
Os porteiros dos bares da zona já o conhecem de ginjeira. É o Patrício, filho da puta. Não é nada de especial o rapaz, mas deve ter um instrumento de ouro, dizem. Todos o querem.
No final da noite lá fecha Patrício o seu quiosque. Por vezes (muitas) sem faturar. Outras, vai contente Patrício ajeitando as calças à macho. Vai dormir. Há noite tem de estar fresco para a faina.
Sabe Patrício que é um filho da puta. Mas não quer pensar nisso. Está bem como está. É o que é. E sobre isso, nada a fazer.

8.06.2012

pérolas do outro mundo

Não posso deixar de partilhar uma pérola histórica que acabo de ler numa tese de doutoramento acabada de ser defendida e APROVADA:
"Em Portugal a expansão do saber (...) desencadeou, a nível educativo, reformas e contra-reformas, das quais destacamos:
- A reforma pombalina que implementou a laicização do ensino, pela expulsão das Ordens Religiosas (...)"

Apresenta outras pérolas semelhantes, como a sugestão de que a ditadura militar teve como consequência o "aumento do nível da taxa de analfabetismo quando, em 1835, Portugal tinha sido o quarto país do mundo a decretar a escolaridade obrigatória".
 
Se isto fosse o Facebook, não clicaria em GOSTO, clicaria em GOSTO MESMO MUITO DE PÉROLAS ANACRÓNICAS E DISPARATADAS!

E assim vai a pujança científica nacional...

8.02.2012

mais coisas de ler

Pondo os comentários literários em dia (sou um gajo pretensioso), dedico-me agora ao "Afirma Pereira" de Antonio Tabucchi, o meu primeiro livro do autor.
Sumariamente, é um livro a não perder.
Adaptado para o cinema um ano após o seu lançamento, desenrola-se em lisboa, num verão tórrido de 38 e retrata uma cidade (e um país) acomodada ao regime Boca-Fechada-e-Pouco-Pio, que teima ainda em permanecer, focando-se no acordar paulatino de um solitário jornalista lisboeta.
A leveza das palavras é, quanto a mim, a principal eloquência do livro. Num contexto romântico urbano, pauta pela suavidade da escrita, pela incomparável fluidez do discurso e pela construção progressiva de um enredo que se adensa à medida que o texto avança.
De pasmar os diálogos fluentes e o jogo de palavras sugerindo uma transcrição de qualquer interrogatório policial perdido num arquivo central, tornando, assim, o final surpreendente.
Vale, por fim, pela implacável humanidade que encerra, afirmo eu.

7.31.2012

Coisas de ler

Depois de sucessivos adiamentos lá terminou "Baudolino". Começa a ser recorrente a leitura amputada para mais tarde terminar, mais amansado da agrura das palavras.
Não que não seja uma escrita fluente e com enredo interessante, mas o anúncio, à partida, de mais um Fernão Mendes Pinto, havia-me desinteressado do enredo.
É, na realidade, mais um livro de fôlego de Umberto Eco pontilhado por um rigor histórico que vaticina, para quem aprecia a carga mística do espaço mental medieval, uma real compreensão das questões estéticas e espirituais que rodeiam o pensamento e os atos do homem do séc. XII.
Amplamente imbuído de uma religiosidade e de uma conceção do mundo como resultado do pecado original, não esquecendo o complexo jogo geopolítico que caracterizou o período do império de Frederico I, a obra reflete um profundo conhecimento do bestiário e pensamento medieval, mediado entre um deus aurifico e um mundo de seres lendários que povoam o mundo desconhecido.
Aprecie-se especialmente, quanto a mim, as questões do surgimento das primeiras universidades, dos jogos de poder político-religioso entre Frederico I e Alexandre III, do pensamento teocrático medieval, da conceção do mundo paralelo de bestas indizíveis, dos jogos de poder do império bizantino, do culto das relíquias (e produção) e, pérola improvável, das questões do retomar do pensamento clássico hipaciano, preconizador do pensamento renascentista que séculos depois ir-se-á impor.
Destaco a requalificação que Umberto Eco faz da "Casa Dourada de Samarcanda" imortalizado por Hugo Pratt, prisioneiros míticos de Aloadin que aqui surgem magníficos.
Bom livro para quem aprecia alguma densidade do pensamento pantocratico do contexto medieval.

5.11.2012

Comércio e história inacabada do quiosque vermelho

Existe, há anos, um encerrado quiosque vermelho na praça Montevideu. Caduco, teve o seu auge nos anos sessenta, quando as principais editoras nacionais começaram a debitar literatura diária, à razão de dez por dia.

Tudo era publicável nesses anos de ávida vontade de ler e nessa cidade pretensiosa que agora despertava para a viagem solitária de sofá e em que se lançavam grandes escritores e fracassados incompreendidos.

No quiosque da praça reuniam-se em bancas de dois por dois as novidades livrescas do dia acabadas de chegar do forno tipográfico.

Anos depois, revisitando o seu descascado quiosque vermelho, Egídio lembra o mítico dia 5 de junho de 67 em que lançara o mais retumbante êxito de vendas. Hoje, nesta fria manhã de dezembro em que o varandim entaipado impede a passagem, Egídio é uma sombra vil do tentador de comércio que outrora convencia qualquer pelintra a esbanjar vinte centavos pela mais recente obra de Lucifer, “uma primeira edição de uma obra que valerá fortunas”.

Nesse fantástico dia de vendas, mal chegaram os 50 exemplares da obra que “venderia como ginjas”, logo esgotaram, tendo satisfeito os retardatários com outras obras “de igual ou superior valor e cujo investimento irá ser um dia recompensado”. Desta chusma de livralhada cinzentona fazia parte a obra de Samsa: “Dias assim são para sempre”.

Os 5 exemplares alguma vez vendidos, havia sido Egídio a despachá-las pelo que, neste gélido alvorecer invernal, já esquecido o extenso fracasso da obra, Samsa haveria de cumprimentar, com vigor, a mão de quem lhe tinha dado certo reconforto de eternidade.

Samsa era, com efeito, autor de um calhamaço falhado. Calvo, de trunfas laterais, sobrevivia de biscates de carpintaria que lhe iam aparecendo. Dos seus lábios curtos e cerrados saiam-lhe parcas palavras de chofre, dando-lhe certo ar lunático, assustador de gentes, e que lhe havia impedido qualquer companhia nas primaveras da vida. Não que fosse esquisito com género, etnia ou formato, mas porque, na realidade, as oportunidades não abundavam. Talvez por isso se recalcassem desejos e pensamentos plasmados no seu tom monocórdico, seco, rudimentar de trato.

Metódico e persistente como era, havia retratado, num longo diário de mil volumes, a sua placidez infantil e o seu cinismo adulto, que logo resumiu em trezentas páginas medianas, para publicação. Após várias tentativas de o editar e igual número de rechaços, tanto pela “precaridade linguística” quanto pela “incapacidade de pensamento”, um suficiente elogio de um novato editor abriu-lhe a porta tipográfica.

Na realidade, beneficiou Samsa de uma súbita falta de inspiração universal que o catapultou para a resma de manuscritos da caixa VIÁVEIS, depois de um rastreio mais apurado da arrecadação de fracassos rotulados.

Foi então com grande entusiasmo que viveu esses dias de provas, fotolitos e monos que precederam a ambiciosa edição de 500 exemplares.

No domingo do lançamento, 4 de junho, apesar de não convidar ninguém para o evento, arremessou, inocente, o seu exemplar com todas as suas forças.

Triste sorte a de Samsa, pois no mesmo dia haverá de sair o mais retumbante romance consagrado que escapou à baforada melosa dos ventos da apatia, anunciando a opressão das suas fluentes páginas.

No balanço de final do primeiro dia, barómetro da rapidez de escoamento das obras editadas, 5 únicos exemplares haviam sido vendidos, logo rotulando-se o livro como "falhado", recolhendo-se à editora e logo ali incinerando-se 494 cópias pela invisibilidade da capa e 1.325 papéis de burocracia regimental, justificada pela intransigência da escrita, pela inércia do autor e pela cobertura de custos extraordinários comparticipados pelo autor.

Assim, após anos de insana busca do herói vendedor, com o “quiosque vermelho” como única referência, encontrou, Samsa, o seu querido Elígio,no já decrépito pavilhão carmino da praça Montevideu na recôndita cidade fronteiriça de Concordía.

Recordariam, naquele rossio mal-amado, numa eterna conversa cumplice e desmedida, os anos de sucessos e fracassos, tanto do vendedor de coisas e vontades, quanto do compilador de causas próprias.

4.24.2012

se hace camino al andar

Caminante, son tus huellas
el camino y nada más;
caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.

Al andar se hace camino
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.

Caminante no hay camino
sino estelas en la mar...

Hace algún tiempo en ese lugar
donde hoy los bosques se visten de espinos
se oyó la voz de un poeta gritar
"Caminante no hay camino,
se hace camino al andar..."

in António Machado, Canto XXIX
dos Provérbios e Canções dos Campos de Costela (1917)

4.09.2012

percebologia ou a boa arte de opinar

De percebologia, percebemos todos!

Veio-me há uns dias à memória, quando passava os olhos pela entrevista à Secretária de Estado do Turismo na revista Marketeer de março.

O eriçamento das minhas barbas trintãs atingiu o clímax na leitura do seu vasto currículo, reflectindo um político de profissão que vive na sombra do seu partido.

Não que o seu passado (e presente) seja definidor de uma veia profissional incapaz, mas por reflectir um contexto pouco dirigido e em que o que vale são os meandros retóricos partidários em que se navega e não as qualificações específicas para o cargo que se exerce.

Percebóloga, terá uma ideia preconcebida da área, mandará umas postas mais ou menos acertadas e muitas outras à água.

Mas, não somos todos percebólogos de profissão? É que todos opinamos sobre qualquer assunto como se o estudássemos a fundo, quer seja sobre bola, sobre política, sobre o que devia ser feito para o bem do país, enfim, sobre TUDO, baseado no que o outro disse, tornando-o nosso.

Os exemplos são imensos, desde os paineleiros de programas televisivos que encontram a verdade num qualquer trejeito de uma figura pública, passando pelo mister que tudo sabe sobre a equipa adversária, até ao bebedor de café que debita o que acabou de ler nas gordas de um qualquer pasquim.

Sem dúvida que todos têm direito à opinião, mas como dizia o uncle Ben: "with a great power comes a great responsibility".

De facto, acho que o direito à opinião é um poder pessoal grande demais para ser desperdiçado em bocas do barulho pouco esclarecidas e deveria haver um interesse pessoal mais generalizado em cada um cumprir o seu dever de se esclarecer antes de opinar.

É que isso de saber de tudo e sair verborreia, isso de se gerir o que não se conhece ou de negar a incapacidade para saber tudo sobre tudo, em suma, isso de ser percebólogo da treta, irrita-me comó caraças!

Mas isso é para mim que percebo das coisas.

2.27.2012

blogs e tralha

Na sociedade de consumo imediato, ninguém fica de fora. Twitter, facebook, google + sustentam-se, e bem, na mensagem rápida e fácil de consumir.

O quioske tem já alguns anos e por isso já passei pelo boom de acessos, pela análise da concorrência, pelo limiar dos 1.000, 2.000, 5.000.

O tempo molda-nos e, por isso, moldamos o que fazemos e como o fazemos.

Hoje este é um espaço sem premissas temáticas, de espaço, de ligações. É um diário / semanário do que me vai apetecendo escrever.

Isso é bom, torna o que escrevemos mais autêntico, mas íntimo, menos avesso aos comentários ou à necessidade de responder a temas quentes.

Talvez seja um caminho partilhado por tantos outros, como se a grande rede que nos une fosse também a grande rede que nos caracteriza.

Disse-me ontem um camarada dos velhos que em janeiro e fevereiro a venda de tabaco decresce muito pelas promessas de um ano novo livre do vício. É como se um pensamento coletivo nos caracterizasse a todos. Por caminhos diferentes fui embocar nessa magistral definição (acho que é de Eduardo Lourenço) de humanidade: uma replicação infinita de caminhos comuns, cruzados por vontades similares.

Neste contexto coletivista (sim, sou dos subscritores do acordo ortográfico, talvez em contraponto aos intelectualóides charolos como o pulidinho) o movimento bloguista tem perdido defensores, escritores, comentarista, percebólogos que agora viram baterias para outras plataformas.

Tornou-se mais intimista, mas também mais autêntico (apesar dos treinadores de bancada que de tudo postam), mais nosso, mais meu.

Menos arranjadinho, é certo, mas não somos todos menos bonitos um pouco do que a ideia do que somos, é?

2.21.2012

1.31.2012

bastardia

Com o passar dos anos tendemos a perder o brilho idealista que nos foi moldando o pensamento e dando corpo aos nossos atos, tornando-nos secos, imutáveis, perfeitos bastardos entre irmãos.
Ouvi esta frase, nestas e outras palavras, muitas vezes. Ouvia-a recorrente pela voz de experientes e bem sucedidos cordeirinhos que, disfarçados no rebanho, foram-lhe toldando o passo conduzindo-o pelo seu caminho mais seguro.
Nunca soube bem como designar essa veia normalizadora e segura que todos querem, nem como caracterizar sequer essa necessidade insana de nos vermos sentados no sofá e ver uma merda qualquer na TV à espera que a vida passe.
Também nunca soube, até hoje, como chamar a essa massa que compõe a opinião pública, feita de ideias preconcebidas, frases fáceis e com vontade de apontar o dedo para logo esquecer, mal novo escândalo o chame à atenção.
Costumava chamar-lhe o país de merda. Hoje, sei que não é assim.
Sei agora que a isso chamarei: a bastardia humana.
São bastardos bronzeados e de cabelo armado. São bastardos entendidos em faladura especulativa, sem fundamento, sempre com base nos que outros disseram. São bastardos os que o dizem, os que o comentam, os que o ouvem e os que o transmitem.
É bastarda a mensagem, o emissor e o receptor.
Sou bastardo, mas tu que o lês também. Não sorrias, estou a falar mesmo de ti.

1.06.2012

um país de claques - maço-quê?

Tal como em anos anteriores, o início do ano é altura da maçonaria marcar a sua existência. Normalmente uma entrevista ao grão aventaleiro faz as honras da casa, mas este ano quiseram primar pela orginalidade: deixar cair na opinião pública a "novidade" de que os aventaleiros são uma claque multifacetada que rema para o seu lado (haverá alguém que se tenha surpreendido com isso!?).

Depois do desaire Fernando Nobre, volta à carga agora em âmbito mais alargado, mas sempre com o mesmo pano de fundo: a assembleia da república, essa instituição em que claques ferrenhas e bem mandadas lançam impropérios doutrinados ao inimigo e em que a frase "muito bem" é primeira entrada do glossário deputóide.

Ainda que com menor frequência, faço parte da claque (sim, também faço parte delas) que passa os olhos na ARtv e que se delicia com os comentários infundados que lançam uns aos outros à espera que os media os transmitam em canal aberto.

Por entre declarações de voto que nada dizem e pedidos de defesa da honra que enterram ainda mais o difamado, é normal pensar que motivos aventaleiros, opus deiences, de cama-e-mesa ou de fruta madura tenham sido factores decisivos para as escolhas recairem sobre essa bela fauna que por lá polula.

Apesar disso, depois de marinar uns dias, lá voltaremos à normalidade entre crises e Cátias Vanessas, bem ao gosto da populaça.