11.17.2005

A vila

O ar rarefeito e frio dá vontade de abraçar os cobertores e de lá não sair. Cá fora, o ar cortante é a única companhia da vila deserta. De quando em vez um sussurro por entre o casario amontoado perturba o silêncio.

A casa, gélida como o exterior, vazia como as quingostas apertadas, oprime qualquer vontade criativa... Não apetece sair, nem entrar, passear ou relaxar, apetece apenas não estar, não fazer, partir e não voltar àquela terra maldita que a todos dá um ar taciturno e triste.

Cá fora, em tascos típicos mas limpos, a população, envelhecida, junta-se para falar sobre o breu que faz ou para contar o que já havia ouvido vezes sem conta. A praça da Liberdade, o centro quadrangular, está deserto, apenas da Associação Recreativa e do Café Central se ouve o difuso ruído de uma qualquer discussão em torno de velhos hábitos.

Pela manhã, o frio continua, as pessoas, activas na sua indolência, atarefam-se com o nada que têm para fazer.

Gente embrutecida e enfadada com o marasmo da vila, não tenta mexer ou mudar o que quer que seja, apenas ir vivendo, sem esperança no futuro, sem ambições excêntricas que as gentes da cidade têm, nem com vontade de mudar o mínimo pormenor da sua passagem já delineada, mesmo antes de nascer.

Aqui se sente a força do destino. A languidez domina as acções, tudo mexe de vagar tentando não alterar a ordem instituída. Caiadas de branco com lista inferior amarela, o casario idêntico define bem a forma de estar dos conterrâneos.

A paisagem tranquila e majestática, pintalgada por pontos esvoaçantes, faz-nos sentir a força do pensamento e da inércia de não querer deixar de a ver. Chaparros corajosos pontilham o solo, dando guarida aos poucos bovinos que se protegem das pingas verdejantes. A vida começa a despontar, após a manta tórrida que cobriu a paisagem durante a estiva.

Terra esquecida pelo país e pelos próprios habitantes, é um lugar de ninguém. Do país, longínquo, apenas ouvem falar das cidades, de uns tais bairros e aglomerados que nada têm a ver com a sua realidade caseira, ouvem algo sobre problemas sociais e crises existenciais que não se adaptam à sua verdade, essa de solidão e de sorriso difícil.

Realidades distintas estas do quadrado pequenino à beira mar plantado, farto em pensamento, parco em acções...

3 comentários:

Sukie disse...

A pior rotina é de não fazer nada. Eu seria incapaz de estar num sítio que fosse "igual" todos os dias. Onde não houvesse uma história nova para contar todos os dias.

Sukie disse...

E realmente o frio que faz de manhã ao acordar dá vontade de ficar enroscado nos lençois, seja em que sítio do mundo seja.

carlos alberto disse...

Quantas "vilas" destas não existirão neste nosso país esquartejado?